quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O Segredo de Luísa

Resumo do livro O Segredo de Luísa (Adriana Guedes)

O livro relata a trajetória de vida de Luísa, uma moradora do interior de Minas Gerais, estudante de Odontologia. Luísa faz odontologia para satisfazer mais a vontade dos pais que a sua.

Seu grande desejo é tornar-se uma empresária de sucesso, inspirando-se numa tia que é comerciante, cujo nome é Fernanda.

Fernanda conquistou inúmeros admiradores produzindo goiabada cascão. Luísa, que passava sempre as férias com a tia, ao retornar à sua cidade natal, sempre levava consigo a goibada para que fosse apreciada pelos amigos e parentes.

Após grande número de elogios e pedidos de novas remessas de goiabada, Luísa percebe a oportunidade de realizar seu sonho, tornar-se empresária, industrializando o produto fabricado por Fernanda.

Ao colocar o projeto em prática, Luísa percebe que terá desafios e problemas os quais não fazia idéia, dentre estes, convencer sua tia a ajudá-la.

Sem desistir, procurou um professor de empreendedorismo para se orientar na realização de seu objetivo. Com esta orientação ela realiza diversas pesquisas de campo, de mercado, faz visitas e contatos criando uma rede de negócios para auxiliá-la. Conta também com a ajuda de Eduardo, um amigo que entende bem da área administrativa.

Como sempre acontece na vida humana, parece que sempre somos levados à outros caminhos, como que para nos testar. Com

Luísa não foi diferente, e, ela recebe a proposta de trabalhar num consultório odontológico assim que concluir os estudos.

Fica balançada com a proposta mas, está determinada a montar sua empresa. Quando conta seus planos à família, todos são contra o empreendimento afinal, ela já está estudando para ter uma carreira de sucesso…

Dando continuidade a seus planos convida um senhor de nome André para ser seu padrinho e consultor .

Como se não bastasse, resolve romper seu noivado para dedicar-se em tempo integral à GMA (Goiabadas Maria Amélia Ltda).

Após todas as pesquisas necessárias ela coloca em prática a venda das goiabadas em tabletes e, a GMA torna-se um grande sucesso no mercado interno e externo, concretizando assim os sonhos de Luísa de tornar-se uma grande empresária, sendo inclusive agraciada com o prêmio de Empreendedor do Ano.

Para som mais realizações sua vida, Luísa percebe que Eduardo é seu ideal como par romântico e ainda, resolve desenvolver trabalho social em sua cidade.

Conclusão.

É fato que a maioria das empresas que encerram suas atividades no Brasil, não pesquisam o suficiente (nem se tratando de mercado ou de produto).

Luísa é observadora e, antes de mais nada sabe que para não ter o mesmo fracasso de muitos tem que pesquisar e aprender muito antes de tentar realizar seu projeto.

Tais atitudes fazem de Luísa uma vencedora no ramo que escolhe…. e, de quebra vencedora também em sua vida pessoal.

Aceitar desafios sem temê-los também faz parte desse sucesso.

O Sentimento do Mundo

Resumo do livro O Sentimento do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)

Os poemas de Sentimento do mundo foram produzidos entre 1935 e 1940. São 28 no total. Poema: Sentimento do mundo O primeiro poema (que deu nome ao livro) revela a visão-de-mundo do poeta: não é alegre, antes, é cheia da realidade que sempre nos estarrece, porque, por mais que sonhemos, a realidade geralmente é dura e muito desafiante. O poeta inicia (estrofe 1) indicando suas limitações para ver o mundo: “Tenho apenas duas mãos”; mas aponta, em seguida, alguns elementos auxiliares que o ajudarão a suprir suas deficiências de visão: escravos, lembranças e o mistério do amor (versos 3 a 5); escravos podem ser os meios escusos de que nos utilizamos para tocar a vida e decifrá-la e dela nos aproveitarmos. O pessimismo denuncia-se com as mortes do céu e do próprio poeta, na estrofe 2. Apesar da ajuda incompleta dos companheiros de vida (”Camaradas”), o poeta não consegue decifrar os códigos existenciais e pede, humilde, desculpas. Nas duas últimas estrofes, Drummond pinta uma visão de futuro bem negativo, mas bem real: mortos, lembranças, tipos de pessoas que sumiram nas batalhas da vida (”guerra”, na estrofe 3). Conclui, na estrofe 5, que o futuro (”amanhecer”) é bem negro, tenebroso. Feita só de dois versos, sintetiza seu sentimento do mundo. Os demais 27 poemas são nuances, explicações dessa amarga visão inicial da vida. Poema: Confidência do Itabirano O poema começa com a saudade profunda de seu lugar de nascimento, traçado em quatro belas, mas sofredoras estrofes. Confessa (estrofe 3) que aprendeu a sofrer por causa de Itabira; mas, paradoxalmente: “A vontade de amor (…) vem de Itabira”; vale dizer que o amor nasce e é servido no sofrimento. De Itabira vem a explicação de Drummond viver de “cabeça baixa” (estrofe 3), verso 6). Afinal, apesar das negatividades, o poeta sente uma incomensurável saudade de sua cidade natal. Poema: O operário do mar O texto número 6 faz o autor escapar da linguagem poética material (versos) e se apropriar dessa linguagem poética sem versos, mas bastante poesia imaterial, em belo painel-definição explicita a grande diferença social entre operários e não-operários. Esta belíssima crônica poética, de base surrealista – tão em voga nos anos trinta, quarenta – serve bem para duas constatações: 1ª) o sentimento socialista de Drummond que iria espraiar-se cinco anos após Sentimento do mundo, na publicação de Rosa do povo, em 1945; 2ª) a visão-de-mundo onírica e bem poética de um operário universalizado em São Pedro; ele anda sobre águas por graça de Deus, enquanto burgueses se espantam por não poderem realizar a mágica; isto é, aos humildes: a magia divina, aos prepotentes: a inveja. Esta crônica poética também pode permitir que se compare a “apreensão do mistério da palavra” nos poemas explícitos de Drummond diante desta prosa poética; por exemplo: “minhas lembranças escorrem” (Sentimento do mundo, estrofe 1, verso 4) e “feixes escorrem” (das mãos do operário, em O operário no mar, linha 26). O mistério poético de lembranças escorrem é bem mais profundo do que peixes escorrerem imaginariamente das mãos do operário. Poema: Privilégio do mar No poema 12, o autor continua detendo-se alegoricamente no problema social das diferenças humanas. Poema: Inocentes do Lelbon Ainda no enfoque da visão social, o poeta fala da riqueza: “inocentes” significa os que querem ignorar; por isto fingem e se aproveitam. Poema: La possession du monde Neste poema 17, Drummond indica o membro da Academia Francesa de Letras, em 1884, Georges Duhamel, pedindo uma risível fruta estragada; como se isso fosse, como diz o título do poema, ter o mundo nas mãos. Poema: Ode no cinqüentenário do poeta brasileiro O belo elogio do poema 18 é a palavra drummondiana a Manuel Bandeira, nascido em 1886 e que, em 1936, completava 50 anos de vida. Drummond pede que “seu canto confidencial (a poesia de Bandeira) ressoe acima dos vãos disfarces do homem”! E para concluir esta fugaz visão do livro Sentimento do mundo, fiquemos com as palavras do último poema, Noturno à janela do apartamento: ” A vida na escuridão absoluta, como líquido, circunda.”

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.

O Sertão Vai Virar Mar

Resumo do livro O Sertão vai virar mar (Moacyr Scliar)

A narrativa tem início em uma cidade do sertão baiano chamada “Sertãozinho de Baixo”. Ela ficaria, já que é fictícia, próxima à antiga vila de Canudos, local onde acontecera a Guerra de Canudos, há pouco mais de cem anos. Mas, os moradores de “Sertãozinho” não desejam relembrar tais eventos, pois traziam na memória as desgraças pelas quais passou a região e sua população. A cidade de Sertãozinho, embora ainda de tamanho modesto, já apresentava algumas comodidades que desenvolvimento econômico traz, lá havia algumas indústrias e um shopping, por exemplo. Elementos bastante diferentes do que a memória da Guerra e do que se imagina quando se ouve a palavra Sertão, que é dor, tristeza, fome e miséria. Como a intenção do livro “O Sertão vai virar mar” de Moacir Scliar é fazer uma leitura da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões” - que narra os fatos sobre a Guerra de Canudos - as histórias da Guerra e de “Sertãozinho”, na narrativa, são cronologicamente paralelas. Na verdade, os eventos narrados na imaginária cidade de “Sertãozinho” são um meio didático de se interpretar as razões, os acontecimentos e as conseqüências da Guerra de Canudos. Em razão disso, entre outros aspectos, a história tem início em uma típica escola privada da classe média. Nela as personagens centrais Gui, que é o narrador, Martinha, Queco, Gê, Cíntia e Zé, colegas da escola, receberam a tarefa de fazer um debate sobre “Os Sertões”. Esse debate fora motivado pela importância da obra, pelo fato de “Sertãozinho” estar próxima à antiga Canudos e, sobretudo, porque surgira na cidade um pregador chamado Jesuíno, que estava reunindo, principalmente a população pobre, a sua volta. É como se a história de Canudos de alguma forma retornasse. Esse retorno trazia enormes preocupações para todos de “Sertãozinho”, já que o fim de Canudos fora trágico. O debate sobre “Os Sertões” seria feito através de um “júri simulado”, que é uma técnica pedagógica que consiste em se escolher um tema que é debatido por alunos divididos em equipes. Os alunos apresentariam os pontos de vista sobre o tema. A intenção do “júri simulado” é fazer com que os alunos desenvolvam a sua capacidade de argumentação. No caso dos colegas de “Sertãozinho”, a escolha da obra para o debate é a opção de por em questão a Guerra de Canudos. Como fatos semelhantes, que antecederam a Guerra, estavam acontecendo em “Sertãozinho”, portanto, realizar o debate era entender o passado para compreender o que acontecia no presente. Desta forma, os alunos teriam que ler “Os Sertões” para poder preparar o debate. No momento, em que os colegas de escola estão reunidos para ler e discutir “Os Sertões”, Moacir Scliar os utiliza para desenvolver as leituras sobre a obra de Euclides da Cunha. Apresentar os fatos históricos, as opiniões da época, as trágicas conseqüências da Guerra, as observações de Euclides da Cunha, ou seja, autor cria um presente que serve de paralelo e janela para compreensão do passado. Em meio às agitações que ocorriam em “Sertãozinho”, promovidas pelo Jesuíno Pregador, no bairro pobre do Buraco, os colegas reúnem-se para produzir o seu trabalho escolar. Ora na casa de um, ora na casa de outro, os garotos esforçavam-se para ler e compreender tanto a difícil linguagem de Euclides da Cunha quanto as razões pelas quais aquele evento tivera um destino tão drástico. Nesses momentos, Moacir, inclusive, faz citações literais de “Os Sertões”. Em razão das dificuldades oferecidas pela leitura o grupo, a princípio, não avança muito. Contudo, a entrada no grupo de um aluno recém chegado à escola, de outra cidade, Zé, muda essa situação. É um garoto recluso, fechado, que, por isso, provoca a curiosidade dos colegas. Gui descobre através do professor que organizava o debate, Armando, que Zé é um garoto pobre que mora no Buraco. Estuda no colégio de classe média graças a uma bolsa, que conseguira em virtude de seu esforço e boas notas. Zé é um entusiasta da obra de Euclides da Cunha e se insere no grupo dando-lhe o dinamismo de que ele precisava.

A situação se agrava em “Sertãozinho”, pois Jesuíno, cada vez mais, atrai pessoas para o bairro do Buraco. O local cresce diariamente com pessoas vindas até de outros municípios. Os representantes do poder de “Sertãozinho” vêem com muita preocupação e desconfiança tudo aquilo. Toda aquela gente seguindo, quase que cegamente, um homem que consideram santo. Um conflito de nefastas conseqüências se armava, semelhante ao que havia acontecido no tempo de Antônio Conselheiro. Canudos era no seu auge, ao final do século XIX, a segunda maior cidade da Bahia, ficando atrás apenas da capital, Salvador. Para lá seguiram toda sorte de desesperançados acompanhando Antônio Conselheiro, homem que havia vagado pelos sertões do Nordeste construindo igrejas, reformando muros de cemitério, organizando novenas e, sobretudo, pregando. Após um saque a algumas lojas do comércio de “Sertãozinho”, os empresários locais exigem medidas das autoridades. O mais pressionado a tomar uma atitude é o Delegado, pai de Gui. Narrado como homem sério e sereno, tenta evitar a tomada de medidas muito duras, que não resolveriam o problema, mas o tornaria pior. Porém, percebe que é preciso adotar alguma medida, antes que a situação fuja ao controle. De forma diferente acontecera em Canudos. Os donos de terra da Bahia e de estados vizinhos exigiram do recém implementado Governo Republicano medidas para desmobilizar aquela população. A permanência daqueles sertanejos em Canudos esvaziara a mão-de-obra da região. Naquele tempo os latifundiários, em virtude de sua incapacidade de resolver a questão pediram providências ao Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro. As leituras de “Os Sertões”, com a ajuda Zé, iam bem até que ele desaparece depois de ver uma reportagem sobre uma grande passeata organizada pelo Jesuíno Pregador. Gui descobre que a consternação de Zé era mais profunda. Não se resumia ao fato de Zé ser do Buraco, centro das pregações de Jesuíno. Zé era filho de Jesuíno e este havia ido para “Sertãozinho” a procura do filho. A razão de Jesuíno tornar-se um beato foi após um colapso nervoso em conseqüência da perda de sua pequena propriedade, desapropriada para a construção de uma represa. O outro beato, Antônio Conselheiro, também, havia tido graves problemas pessoais, uma disputa com uma família rival a sua e um casamento infeliz, que terminou de forma vergonhosa para ele, com a fuga da esposa com um soldado de polícia. Gui e alguns amigos chegam a ir ao Buraco, na tentativa de encontrar Zé. A situação na cidade estava muito tensa. Esperava-se, a qualquer momento, o estouro de uma revolta. Enquanto isso, as opiniões se dividiam. Para alguns, que no texto é representado pelo colega de Gui, Gê, um rapaz engajado politicamente, toda aquela situação nada mais era do que o resultado da falta de assistência a uma população sem recursos. Oposto ao que pensa, o também colega de Gui, Queco, que tem uma visão preconceituosa, pois afirmava que são vagabundos e lunáticos, que acreditam em um demente. De certa maneira o mesmo acontecera a Canudos, momento histórico mal compreendido em sua época. De um lado estavam os latifundiários, temerosos pela falta de mão-de-obra, de outro o Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro, fortemente controlado pelo Exército. Entre outros motivos, as atitudes do Conselheiro de rasgar proclames de impostos republicanos e de condenar o casamento civil, fizeram com que a República interpretasse Canudos como sendo um foco Monarquista. A ação ponderada do Delegado evitou o pior, embora quase tenha perdido o controle da situação. Zé se reconciliou com o pai que foi enviado para tratamento. O debate foi um tremendo sucesso, chegando à conclusão de que a tragédia de Canudos poderia ter sido evitada ou, pelo menos, ter tido menores proporções, se houvesse discussões sobre o problema. Mas o medo da população quanto ao que acontecia na região e, principalmente, o temor dos poderosos - sobretudo o Exército da República - fez com que Canudos tivesse um fim extremamente violento. Moacir Scliar, desta forma, conclui seu texto, com uma espécie de lição. Os excessos devem ser evitados para se prevenir mal-entendidos e até mesmo tragédias.

O Sertanejo

Resumo do livro O Sertanejo (José de Alencar)

Um dos romances, bastante brasileiro, em que Alencar dá expansão ao seu gênero de pincelador retratando com belas e radiantes cores a paisagem do sertão um destemido vaqueiro a serviço capitão-mor Arnaldo Campelo que enfrenta os mais sérios riscos na esperança de constar a simpatia da filha do fazendeiro. Arnaldo tem destaque nas cavalhadas a maneira medieval de Ivone famosas liças. Marcos Fragoso se faz seu único rival. Afinal Dona Flor é prometida a Leandro Barbilho. No instante casamento, surge os inimigos de Campelo. Encerra o tiroteio, morre Leandro Barbalho, Dona Flor lamente enquanto Arnaldo tenta consolá-la.

O trecho selecionado permitirá a análise do relacionamento existente entre Arnaldo e D. Flôr. Possibilitando-nos a comparação com o trecho de Inocência. “Já tinham soado no sino da capela as últimas badaladas do toque de recolher. Por toda a fazenda da Oiticica, sujeita a um certo regime militar, apagavam-se os fogos e cessava o burburinho da labutação quotidiana. Só nas noites de festa dispensava o capitão-mor essa rigorosa disciplina, e dava licença, que então por desforra atravessavam de sol a sol. Era uma noite de escuro; mas como o são as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes, cujas centelhas se cruzam e urdem como a finíssima teia de uma lhama acetinada. A casa principal acabava de fechar-se e das portas e janelas apenas escapavam-se pelos interstícios, uma réstia de luz, que iam a pouco extinguindo-se . Nesse momento um vulto oscilou na sombra, e coseu-se, à parecer que olhava para o nascente. Era Arnaldo. Resvalando ao longo do outão, chegara à janela do camarim de D. Flôr, e uma força irresistível o deteve ali. No gradil das rótulas recendia um breve perfume, como se por ali tivesse coado a brisa carregada das exalações da baunilha. Arnaldo adivinhou que a donzela antes de recolher-se, viera respirar a frescura da noite e encostara a gentil cabeça na gelosia, onde ficara a fragrância de seus cabelos e de sua cútis acetinada. Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flôr, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa. Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolico de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flôr volvia pelo aposento. Naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite. Um doce sussurro,como da abelha ao seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela. Mas acabou suplicando a Flôr perdão para a sua ternura. Terminada a prece a donzela aproximou-se do leito. O amarrotar das cambraias a atulharem-se indicou ao sertanejo que Flor despia as suas vestes e ia trocá-las pela roupa de dormir. Através das abas da janela, que lhe escondiam o aposento, enxergou com os olhos d’alma a donzela, naquele instante em que os castos véus a abandonavam; porém seu puro o céu azul ao deslize de uma nuvem branca de jaspe surgisse uma estrela. A trepidação da luz cega; e tece um véu cintilante, porém mais espesso do que a seda e o linho. Cessaram de todo os rumores do aposento, sinal de que D.Flôr se havia deitado/ Ouvindo um respiro brando e sutil como de um passarinho, conheceu Arnaldo que a donzela dormia o sono plácido e feliz. Só então afastou-se para acudir ao emprazamento que recebera”.

O Segredo do Mapa Egípcio

Resumo do livro O segredo do mapa egípcio (Mafalda Moutinho)

Tudo começa em Paris, onde vivia a familia Torres. Ana e Maria (as duas irmãs) descobriram um velho livro sobre o Egipto. De dentro dele, caiu uma folha, que não pertencia ao livro, e que continha um enigma, e um mapa. Mostraram a André (o primo) e queriam desvendar o mistério. Por sorte, o seu pai (Hugo) era embaixador e tinha recebido a carta com o seu novo estacamento: o Cairo. Ficaram os três bastante contentes. Já no Cairo, o seu pai organizou uma viagem para Sharm el Sheikh, ponto de chegada do mapa. Já pelo caminho, vão recolhendo pistas importantes para desvendarem o enígma. No Mosteiro de Santa Catarina, descobriram, num livro algo que se referia a uma rosácea, outro enigma, mas que, por causa do tempo, não conseguiram descobrir. Chegados a Petra, a cidade Rosa, fizeram logo a associação. Algo se passaria naquela cidade que os ajudaria a resolver o enigma. Descobriram, então o mosaico rosa e a maldição de Denmosis, que trataram de investigar. Voltaram ao Cairo. Foram visitar umas pirâmides. Maria, que tinha um escaravelho, tentou colocá-loem todos os orifícios em que ele comubesse, na esperança que ele fosse uma chave. Encontraram o túmulo de Al-Kahun, sacerdote de Denmosis e entraram, pois o escaravelho encaixara na cavidade. Colocaram o mosaico rosa na matriz, mas o mosaico foi rejeitado. Voltaram a colocar o mosaico na matriz,mas desta vez, com uma rosa do deserto e chave da vida. O encaixe foi perfeito. A matriz começou a girar. Ana formolou o seu desejo (a anulação da maldição de Denmosis). Desvendaram o mistério e salvaram o povo egipcio da maldição.

O Velho da Horta

Resumo do livro O Velho da Horta (Gil Vicente)

Frustrada paixão de um velho por uma moça zombeteira.

Gil Vicente é considerado o iniciador da dramaturgia em Portugal. Prestigiado em seu tempo e imortalizado por sua capacidade de criar cenas de grande valor estético e documental, o teatrólogo encanta os nobres de seu tempo com uma seqüência de autos e farsas em que mescla humor e moralismo. Critica os costumes, a sociedade e o clero de sua época, testemunhando as transformações sociais e políticas que correspondem ao período de transição entre final da Idade Média e início do Renascimento. Em A Farsa do Velho da Horta (1512) revela perfeito domínio do diálogo e grande poder de lidar com personagens e ações que se aproximam da comicidade. Utiliza pouco aparato cênico, colocando toda a ação em um mesmo cenário (a horta) e os acontecimentos que se realizam fora da horta são referidos como fatos que vêm de fora. Todos os episódios têm uma única direção: o desfecho, e isso garante a unidade da peça. O argumento gira em torno das desventuras de um homem já entrado nos anos e seu frustrado amor por uma jovem que vem à sua horta comprar verduras. Por meio do diálogo entre o velho e a jovem, Gil Vicente capta a crueza de uma situação que oscila entre o ridículo e o ilusório. O Velho apaixonado deixa-se levar por um amor imprudente e obcecado; a Moça, motivo dos sonhos do Velho, é irônica, sarcástica e retribui as declarações de amor com zombarias. A cena inicial é marcada pela tentativa de conquista e o diálogo se dá entre o lirismo enamorado do Velho e os ditos zombeteiros da Moça. Em seguida, entra em cena uma alcoviteira que oferece seus préstimos profissionais para garantir ao Velho a posse da amada. Mediante promessas de que o êxito está próximo, a mulher extorque toda a riqueza do Velho. Finalmente, entra em cena a Justiça que prende a alcoviteira, mas retira do Velho a esperança de ver realizado tão louco amor. No final, vem a notícia de que a jovem que motivou tão tresloucada paixão casou-se.

O Velho e o Mar

Resumo do livro O Velho e o Mar (Ernest Hemingway)

Depois de passar quase três meses sem fisgar um peixe, escarnecido pelos colegas de profissão, o velho Santiago enfrenta o alto-mar, sozinho, em seu pequeno barco. Quer provar aos outros e a si mesmo que ainda é um bom pescador. É em completa solidão que ele travará uma luta de três dias com um peixe imenso, um animal quase mitológico, que lembra um ancestral literário, a baleia Moby Dick.

À medida que o combate se desenvolve, o leitor vai embarcando no monólogo interior de Santiago, em suas dúvidas, sua angústia, sentindo os músculos retesados, a boca salgada e com gosto de carne crua, as mãos úmidas de sangue. Por fim o peixe se dobra à força do pescador. Mas a vitória não será completa - surgem os tubarões.

Novela da maturidade de Ernest Hemingway, que foi correspondente de guerra e amante das touradas, O Velho e o Mar (1952) é a melhor síntese de sua obra e de sua visão do mundo.

Escrito num estilo ágil e nervoso, máxima depuração da prosa jornalística do autor, o livro explora os limites da capacidade humana diante de uma natureza voraz, onde todos os elementos estão permanentemente em luta, numa autodevoração sem fim.

O Vermelho e o Negro

Resumo do livro O vermelho e o Negro (Stendhall)

Julien Sorel é filho de um carpinteiro, rico, mas carpinteiro, extremamente rude, tosco. Seus irmãos têm a índole e o comportamento agressivo do pai. Agridem Julian por ter traços delicados e espírito.
Trata-se de um intelectual em fase embrionária, ainda sem idéias próprias, mas com uma grande dose de criatividade e inteligência. Julien imagina ter dois caminhos (o cerne de “O vermelho e o negro” é esta eterna dualidade, daí o título) as armas ou a vida religiosa. A trama se desenrola logo após a queda de Napoleão, um herói, um mito de Julien, mas houve Waterloo, houve a queda e isso faz toda diferença. Julien opta pelo caminho mais fácil, menos árduo: a religião.

Seu pai, o carpinteiro Sorel, preocupado com o futuro do filho - e bem mais do que isso, querendo se livrar dele - consegue coloca-lo como preceptor em uma das casas mais ricas da região; ali, Julian torna-se amante da Sra de Rênal, a única mulher que irá amar em toda sua vida. Haverá Mathilde, mas se a ama ou não, nem para si próprio Julien consegue deixar claro.

O Sr de Rênal é informado via carta anônima do que ocorre em sua casa, mas não acredita (ou prefere não acreditar). Um dos filhos do casal adoece gravemente e a Sra crê que isso é castigo pelo seu pecado. Há uma ruptura em seu comportamento (antes amava sem temores, sem remorsos; agora, continua amando, mas teme o castigo divino), mas não em seus sentimentos.
Preso no quarto da amante, após uma noite de amor e de sofrimento, Julien decide partir para Paris, onde entra para o seminário.

No seminário, sua vida de seminarista transcorre sem grandes sobressaltos (embora, em determinado ponto do romance, Julien diga para si próprio que “no seminário aprendeu a conviver com o desespero”) até que é convidado a trabalhar como secretário do Sr de La Mole, um fidalgo extremamente poderoso, a quem todos bajulam. Ali, tratado como um criado de luxo, Julien impressiona algumas pessoas e muitas outras se decepcionam com ele. Conhece latim, textos de Virgilio, Horácio, mas desconhece outros autores mais modernos, como Byron, por exemplo. Repete tudo o que lê - com grande riqueza de detalhes; tem uma memória prodigiosa - mas tem problemas para desenvolver seus próprios teoremas. Uma noite, em uma taverna, revolta-se ao receber olhares enviesados de um pretenso cavalheiro de sociedade e o desafia para um duelo. Este lança cartões à face, com nome e endereço e sai do local. Julian convida uma testemunha e vai ao endereço que consta dos cartões, lá descobre que o desafiado não é o homem cujo nome está nos cartões. O dono dos cartões é um gentleman; o desafiado, seu cocheiro. Ao descobrir, agride o cocheiro sendo então desafiado pelo patrão deste para um duelo. O duelo acontece, Julien é ferido levemente e tudo termina bem, porém, seu oponente simpatiza com ele, tornam-se camaradas, mas este tem pudores em dizer que duelou com o filho de um carpinteiro, então espalha o boato que Julien é filho natural de um fidalgo conhecido. O Sr. de La Mole, mesmo sabendo que não é verdade, gosta da história e passa a tratar Julien como um seu igual, afinal, “descende” de um fidalgo como ele. O interessante é que ele apenas concede em tratar Julien como um seu igual à noite e “vestido de azul”; durante o trabalho cotidiano, vestido de preto, Julian é apenas um subalterno assalariado. O vermelho e o negro!

O Sr de La mole tem dois filhos, Norbert e Mathilde. Mathilde, assim como Julien, vive deslocada em seu século. Ele, napoleônico; ela, sonhando com os tempos distantes de Ricardo III. Isso acaba por aproxima-los. Mathilde é desejada - por ser bela e rica, filha de um homem influente - por todos os rapazes da corte, mas considera-os fúteis, incapazes de gestos de heroísmo, então, sente-se naturalmente atraída por Julien, a quem ela vê como o que mais se aproxima de seus ideais românticos.

Mathilde se entrega a esse amor. Antes da 1ª noite com ela, ele tem dias de sofrimento e angústia. Não sabe se ela realmente o quer para amante ou se o quer apenas para palhaço. Rumina a idéias de que ela quer apenas transforma-lo em objeto de zombarias, finalmente, não sem antes deixar as cartas que ela lhe escrevera como uma arma de defesa, à noite, Julien vai ao quarto da donzela e então percebe que seus temores eram infundados. Ela se entrega inteiramente, completamente submissa.
No início, Julien não ama. Não lhe importa a afeição de Mathilde, quer apenas domina-la e humilhar seus opositores, afinal, o filho do carpinteiro venceu rivais portadores de nomes que remontavam às cruzadas. Em sua conquista não há outro propósito, ou talvez haja (o lobo e a sombra?). Em sua extrema dualidade, com sua personalidade reticente, em sua eterna incerteza, Julian não sabe se ama e é amado; se a usa ou se é usado.

Com o tempo, pouco tempo, aliás, Mathilde se convence de seu erro e se afasta do amante. Julien, por seu lado, talvez pelo desprezo de que passa a ser vítima, se convence de que está apaixonado.
Neste ínterim, o Sr de La Mole convoca Julien a fazer um trabalho utilizando sua excepcional memória. Ele deverá participar de uma reunião onde apenas ouvirá e registrará tudo o que for dito. É envolvido em uma conspiração. Realizando serviço para os conjurados, conhece um príncipe russo - Korasoff - que o instrui nas artimanhas da conquista, fornecendo-lhe cartas russas que o ajudarão a reconquistar a Srta Mathilde de La Mole.

Voltando a Paris, passa a enviar sistematicamente estas cartas a uma outra mulher; Mathilde sente que está perdendo seu ex-amante e busca reconquistá-lo. Voltam a ser amantes. Mathilde fica grávida. O Sr de La Mole, ao saber da notícia, fica pouco mais que alucinado. Por vezes pensa em separá-los, outras vezes em casa-los secretamente. Consegue para Julien, desde que ele mude de nome (apondo após o Sorel, La Vernaye), um posto de tenente dos hussardos. Quando tudo parece ir bem, pois Julien agora tem um nome de respeito e consegue distinguir-se graças à sua antiga predileção pela vida militar, além de um bom dote que o sogro - embora o casamento secreto ainda não tenha se realizado, pois o Sr de La mole sente que “há alguma coisa brilhante em Julien, mas há algo temível em seu caráter” - lhe outorgou. O Sr de La Mole recebe uma carta da Sra de Renal onde esta diz claramente que “Julien é apenas um conquistador que não almeja outra coisa senão subir na vida e que não ama nem nunca amou sua filha”. Esta certeza faz com que ele desista da idéia de vê-los casados. Ao saber da carta, Julien vai a uma igreja onde a Sra de Renal está rezando e lhe dá dois tiros. Ela não morre, mas Julien vai preso.

Mathilde o visita na cadeia e usa todos os artifícios para liberta-lo. Julien, estranhamente, anseia pela guilhotina. Imagina esta saída como uma saída honrosa. Preso, está sempre em dúvida se realmente ama ou um dia amou Mathilde, pois a mulher que está mais presente em seu pensamento é a Sra de Renal. Julien quer morrer. Tem agora a certeza absoluta que somente amou a Sra de Renal. Em sua masmorra, enquanto espera ser guilhotinado, faz profundas reflexões. A uma frase espetacular que deveria ser o final do romance “Julien se sentia forte e resoluto como o homem que enxergou dentro de sua alma”. O autor não quis assim e explicita a morte de Julien no próximo capitulo (XLV). Pena.

Olhai os Lírios do Campo

Resumo do livro Olhai os Lírios do Campo (Érico Veríssimo)

Modernismo da segunda fase. Olhai os Lírios do Campo é dividido em duas partes de doze capítulos cada. Na primeira parte Eugênio, o personagem principal, vai tendo flashbacks de seu passado enquanto se dirige ao hospital onde está Olívia. Vai lembrando sua infância pobre, quando tinha pena de seu pai e era humilhado na escola por sua condição social, a escola de Medicina (o preço dele ir à escola de Medicina foi não esmerarem-se na educação de seu irmão Ernesto, que se torna um vagabundo). Na faculdade conhece Olívia, que se torna uma grande amiga e com quem tem uma noite de amor no dia do estopim da Revolução de 30. Eugênio conhece a futura esposa, Eunice, num atendimento a uma empregada desta e casa-se com ela apenas para ascender socialmente, sem ter nenhum amor. Preso num casamento sem amor, num emprego de fachada na fábrica do sogro rico e com uma amante a quem não ama, Eugênio reencontra Olívia, que estava numa colônia de italianos. Ela apresenta-lhe Anamaria, sua filha. No presente (finais da década de 1930), ao chegar ao hospital já mais otimista sobre o estado de saúde de Olívia do que na partida, Eugênio recebe a notícia de que ela morreu. A Segunda parte, passada no presente após a morte de Olívia, é no presente e intercalada por partes de algumas das cartas que Olívia escreveu para Eugênio e nunca lhe enviou. Eugênio toma coragem e separa-se da esposa, abandona a amante, vai viver com a filha (na casa onde Olívia morava com um casal de alemães) e volta a clinicar para os pobres. Eugênio vai assim, sempre com a memória de Olívia, mesmo que ela vá desaparecendo aos poucos, redimindo-se e vendo melhor a pobreza de que sempre tinha tanto asco. Mas não sem seus momentos negros, como o caso de Simão e Dora. Dora é a filha de sua amante (que é uma mãe negligente) com um engenheiro fascista e workaholic que dá mais importância ao prédio que está construindo do que a ela. Ela se apaixona por Simão, um jovem e pobre estudante judeu. A união é desaprovada pelos pais e ela acaba morrendo num aborto feito por uma parteira após Eugênio negar-lhes o ato. Mas por todo o tempo Eugênio vai se ligando a uma vida mais simples, a amigos mais simples e verdadeiros como o céptico Dr. Seixas a quem admirava quando criança. A história acaba com ele e Anamaria saindo para passear num ensolarado dia de verão de Porto Alegre.

Os Escravos

Resumo do livro Os Escravos (Castro Alves)

Os Escravos é uma coleção de poesias publicadas 12 anos a morte do poeta. Poesia social em sua forma mais pura, Os Escravos centra-se sempre no mesmo tema: a liberdade dos escravos. Apesar de uma certa idealização em alguns momentos, a poesia lírico-amorosa é menos idealizada que a dos contemporâneos do autor. Mas sempre, sempre, as poesias falam do negro escravo, cativo e maltratado pelos senhores.

Os Maias

Resumo do livro Os Maias (Eça de Queirós)

Em junho de 1888, os livreiros portugueses começaram a vender os primeiros dos cinco mil exemplares da primeira edição de Os Maias. É tiragem que impressiona ainda hoje. O que dizer então naqueles tempos de um Portugal pouco habitado e não muito lido? Foi uma temeridade, mas à audácia dos editores correspondeu a curiosidade dos leitores e o interesse da crítica. E o livro do desconfiado Eça de Queirós transformou-se, desde então, num sucesso de vendas. E assim é (ou voltou a ser) hoje em dia. Andou uns tempos esquecido, é verdade, mas bastou que a televisão fosse buscar inspiração (palavra perigosa) no velho romance, para que as novas reedições sumissem, recém-chegadas às livrarias, pouco antes do Natal, e fossem totalmente consumidas pouco antes do novo ano. Eça de Queirós foi impreciso e modesto ao dar a Os Maias o subtítulo “episódios da vida romântica”. Na verdade, o seu mais famoso romance é uma tragédia, tal como a entendia Sófocles quando, já na maturidade, compôs o seu Édipo. Uma tragédia burguesa, mas quand même uma tragédia, pois que lá está a grave transgressão moral, cometida em completa inconsciência por seus dois personagens centrais - Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Da Maia, ambos; irmãos, apaixonados e incestuosos ambos, e belos e trágicos. Invejo quem agora, instigado pela minissérie, vai ler esse livro pela primeira vez. Terá prazer único e irreproduzível. As releituras que hão de vir, mais tarde, servirão de consolo, mas não de substituto. Esse prazer estará certamente na elegância barroca da forma e no desenvolvimento astucioso do entrecho. Mas estará também, ou principalmente, nos admiráveis retratos que Eça faz de seus tipos principais, com a elegância e a minúcia de um genial pintor romântico, mas com “o seu olho à Balzac”. A começar não por um tipo, mas por uma casa, mais exatamente a “casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875″, que surge, penumbrosa e prenunciadora, logo na primeira frase do livro, e que era conhecida como a casa do ramalhete “ou, mais simplesmente, o Ramalhete”. Então, lemos, já encantados: “Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas janelas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação dos tempos da Sra. D. Maria I; com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de jesuítas”. Ai está o cenário da tragédia. O Ramalhete é, pela ordem de entrada, o primeiro personagem em cena, com suas paredes sempre fatais àquela antiga família da Beira, tão rica e tão infeliz. E será no Ramalhete e em torno dele que vamos ser apresentados aos personagens nos quais Eça de Queirós se insinua, para nos falar através de suas muitas vozes. Seus retratos eram sempre perfeitos e, ao longo da trama, coerentes. A única personagem que o confunde é Maria Eduarda, por sua beleza de deusa. Quando ela aparece - e como custa a aparecer! -, “é alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carne”; algumas páginas adiante, Carlos a revê e nota que “os cabelos não eram louros, como julgara de longe, à claridade do sol, mas de dois tons, castanho-claro e castanho-escuro, espessos e ondeando ligeiramente sobre a testa”. Falei de retratos e o mais correto é falar de auto-retratos. Se Fernando Pessoa tinha seus heterônimos, Eça tinha os seus “eus”, como diz Beatriz Berrini, que eram muitos e muito se pareciam. Ele nos fala pela voz severa do velho Afonso da Maia, que “era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes…o cabelo branco todo cortado à escovinha, e a barba de neve, aguda e longa”, a reclamar melhores destinos para o seu lamentável país e a cobrar, do neto tão promissor, menos diletantismo e mais realizações. Fala-nos também com as palavras cruéis e desassombradas do neto Carlos, “um formoso e magnífico moço, alto, bem-feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis de cabelos pretos, e os olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai, dum negro líquido, ternos como os dele e mais graves”, e que costumava vociferar: “A única coisa a fazer em Portugal é plantar legumes, enquanto não há uma revolução que faça subir à superfície alguns dos elementos originais, fortes, vivos, que isto ainda encerre lá no fundo”. Ao que o avô respondia, já impaciente com esse diletantismo do neto, como se falasse em nome do autor: - Pois então façam vocês essa revolução. Mas pelo amor de Deus, façam alguma coisa! Mas nenhum de seus “eus” foi mais ele mesmo que João da Ega, ou João da Eça, ou o Ega de Queirós, que todos esses trocadilhos, embora fáceis, têm cabimento e justeza. Talvez só o Fradique Mendes se lhe possa comparar, mas esse não vem ao caso, agora, porque não é personagem d´Os Maias. Eram “eus” idealizados e muita vez caricaturados, mas que, no fundo, o reproduziam com verdade e o exprimiam com coerência. Ao Ega, deu-lhe o Eça a existência que gostaria de ter tido: discutido e admirado, com a mãe devota, rica e viúva, a lhe garantir o presente e o futuro, permitindo-lhe desfrutar as sofisticações, as intimidades e os desvelos de uma família de aristocratas, como era a dos Maias; mais alguns amores ardentes e com saúde razoavelmente forte para gozar, sem medos nem cuidados, o prazer das boas comidas e dos bons vinhos, dos conhaques e das águas ardentes, das noitadas com espanholas e das devassidões vespertinas, com amantes de luxo. É conclusão a que se chega no momento em que Eça retrata o Ega - e se auto-retrata: cheio de verve e de irreverência, de frases retumbantes e ditos irônicos, um talento amaldiçoado, temido e exaltado. Vejamos o Ega pelos olhos do Eça: “O esforço da inteligência (…) terminou por lhe influenciar as maneiras e a fisionomia; e, com a sua figura esgrouviada e seca, os pêlos arrebitados sob o nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito - tinha alguma coisa de rebelde e de satânico”. Ora, se não é esse ou quase esse o retrato do próprio Eça, tal como captado na célebre caricatura que dele fez Rafael Bordalo Pinheiro, então já não sei ver nem distinguir. É ainda o Ega que, em momento de impaciência com a mediocridade e a hipocrisia da sociedade burguesa, e como que falando em nome de seu criador, deixa Lisboa e corre para restaurar-se no interior, lançando a Carlos e a Craft, os dois grandes amigos que o foram acompanhar à diligência, esta frase aterradora: - Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por dentro. Tal como Carlos da Maia, também João da Ega era um diletante. Ambos têm revoltas pouco profundas e de pouca duração. As suas grandes promessas de realização pessoal e de transformação do mundo terminam por desmaiar no culto quase religioso do luxo e do tédio. Passam a representar o que mais incomodava o inconformado Eça: a renúncia e o conformismo. É com mãos hábeis, orgulhosas e brilhantes que Eça os faz florescer em Coimbra, em tempos de sonho e de estudo, a prometer insubmissão e luta. É com olhar de desalento e pessimismo que Eça os deixa vencidos e melancólicos, a “correr desesperadamente pela rampa de Santos”, atrás de um bonde e de um jantar, “sob a primeira claridade do luar que subia”. Tal como o próprio Eça se sentia, Ega e Carlos eram, naquele momento, dois “vencidos da vida”. E assim a tragédia se consuma e nos obriga a repensar o ser humano com inquietação e desconfiança. Lisboa, 1875. A cidade não apenas como um cenário mas como uma personagem, viva, interveniente, testemunha e cúmplice dos acontecimentos.A cidade acorda, o movimento cresce. De entre a multidão que circula vão-se destacando, anunciadas pela narradora, as principais personagens desta história.Mais tarde, ao serão, no interior da casa dos Maias, conhecida como o Ramalhete, reúnem-se alguns distintos representantes da sociedade da época: da intelligentsia à alta burguesia lisboeta, até alguns políticos do constitucionalismo regenerador. Lá estavam, entre outros, João da Ega, amigo incondicional de Carlos da Maia, sagaz e polémico, sempre crítico da mediocridade nacional. Ou ainda Craft, com quem, nessa mesma noite, Carlos da Maia acabaria por negociar uma quinta, nos Olivais. Ou ainda Dâmaso Salcede, pretencioso e burlesco que revelaria, eufórico, como uma das suas recentes conquistas, a aproximação de Maria Eduarda de Castro Gomes, o que não deixara de provocar uma ainda inexplicável irritação a Carlos da Maia. A sólida presença de Afonso da Maia, patriarca da família, constitui, para todos, um valor de referência.Na realidade, Carlos da Maia alimentava já por Maria Eduarda de Castro Gomes uma secreta paixão e não deixava de a visitar diariamente a pretexto de assistir clinicamente a sua governanta inglesa, Miss Sarah.Numa dessas visitas como médico à residência dos castro Gomes, - na rua de S. Francisco - percebe-se claramente a existência de uma reciprocidade de sentimentos, da qual, Dâmaso Salcede acabará inadvertidamente, por ser testemunha, não escondendo a sua surpresa e o seu despeito, que o levara a congeminar uma forma de vingança.Entretanto, Carlos e Maria Eduarda vivem já o seu romance na nova Quinta dos Olivais, comprada a Craft. Assim corre o tempo dividido entre as apressadas idas ao Ramalhete e a clandestina vida nos Olivais. Certo dia, no Ramalhete, Carlos e Ega trocam algumas confidência sobre a vida atribulada do primeiro, que procura esconder do avô a situação familiar da sua amante, conhecida em Lisboa, como a senhora Castro Gomes.Será, pois, com a maior estupefacção que Carlos receberá em sua casa o próprio Castro Gomes que lhe esclarece, com algum acinte, que aquela que todos dão como sua esposa não é senão a sua amante, com quem vive e a quem paga uma existência requintada em troca de companhia. Perante o desespero e a humilhação de Carlos, Ega sugere-lhe que usufrua, como vinha fazendo até aí, desse amor ilegítimo.Porém, a súbita chegada de Monsieur Guimarães vai precipitar o fim da história, ao trazer consigo num pequeno cofre, o espólio de Maria Monforte, mãe de Maria Eduarda, que morrera em Paris. Nesse espólio confirma-se que Maria Monforte fora a esposa que levara ao suicídio Pedro da Maia, pai de Carlos. A tragédia precipita-se - os dois amantes eram, no final, irmãos. Tal revelação levará à morte o velho Afonso da Maia, ao afastamento dos dois amantes, à partida de Carlos para o estrangeiro.Só dez anos depois Carlos voltará a Portugal, reencontrando-se com os amigos de sempre, e sobretudo, com Ega, com quem fará um saldo do passado, carregado de ironia e cepticismo, uma síntese dos seus destinos pessoais e do destino colectivo do país, como nação. Vidas falhadas ou ainda a tempo de apanhar o futuro?

Os Melhores Contos

Resumo do livro Os Melhores Contos (Rubem Braga)

O gênero

A crônica é fruto do jornal, onde aparece entre notícias efêmeras. Trata-se de
um gênero literário que se carcteriza por estar perto do dia-a-dia, seja nos
temas, ligados à vida cotidiana, seja na linguagem despojada e coloquial do
jornalismo. Mais do que isso, surge inesperadamente como um instante de pausa
para o leitor fatigado com a frieza da objetividade jornalística. De extensão
limitada, essa pausa se caracteriza exatamente por ir contra as tendências
fundamentais do meio em que aparece, o jornal diário. Se a notícia deve ser
sempre objetiva e impessoal, a crônica é subjetiva e pessoal. Se a linguagem
jornalística deve ser precisa e enxuta, a crônica é impressionista e lírica. Se
o jornalista deve ser metódico e claro, o cronista costuma escrever pelo método
da conversa fiada, do assunto-puxa-assunto, estabelecendo uma atmosfera de
intimidade com o leitor.

A obra

Os melhores contos de Rubem Braga (1985) na verdade são 39 crônicas,
selecionadas pelo professor Davi Arrigucci Jr., que podem ser divididas em:

1. Passado interiorano ou em Cachoeiro do Itapemirim - reunindo as crônicas em
que o narrador aborda, de forma lírica e nostálgica, a vida na cidade pequena do
interior, entre caçadas de passarinho, encontro com moradores da cidade grande,
peladas na rua, pescarias, cachorros amigos, e a vegetação abundante do meio
quase rural:
Tuim criado no dedo
A moça rica
Negócio de menino
Caçada de paca
Praga de menino
Lembrança de Zig
O sino de ouro
O cajueiro
História de pescaria

2. Luta contra a repressão durante a ditadura getulista (1936 - 1945) - textos
em que o velho Braga rememora as aventuras vividas na fuga à repressão durante o
Estado Novo, sempre mesclando à luta política aspectos sentimentais e
existenciais:
Diário de um subversivo
Era uma noite de luar
Os perseguidos

3. Observação das injustiças sociais - crônicas centradas no conflito entre os
que nada têm e os mais privilegiados. Observe-se a semelhança de Conto de Natal
com Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e principalmente com o Auto de Natal
Pernambucano que é Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto:
O jovem casal
Noite de chuva
Conto de Natal

4. Casos da cidade grande ou do exterior - textos relatando episódios passados
na cidade grande, alguns de maneira bastante realista e outros, como Marinheiro
na rua, com toque surrealista ou, como O homem da estação, com claras
influências do expressionismo de Franz Kafka:
Coração de mãe
Marinheiro na rua
O homem da estação
A navegação de casa
O espanhol que morreu
O rei secreto de França
Um braço de mulher
Os amantes
O afogado
As luvas

5. Conversas corriqueiras - diálogos travados pelo narrador ou por personagens
outras em que predomina a observação das sutilezas psicológicas:
Falamos de carambolas
Aula de inglês
A partilha
Força de vontade
Visita de uma senhora
Do Carmo

6. Instantes de epifania pura - embora a epifania apareça de forma nuclear em
muitos dos textos agrupados em outras categorias, nestes aparece de forma
desnuda, pura, sendo a essência dos textos, que descreves instantes únicos de
alumbramento, de iluminação:
Madrugada
O mato
Visão

7. O narrador “voyeur” - crônicas em que o narrador observa, atraído como um
“voyeur”, as ações de mulheres/meninas:
Viúva na praia
A mulher que ia navegar
A primeira mulher do Nunes
Encontro
As meninas

Os Melhores Contos (versão 2)

Resumo do livro Os Melhores Contos (Rubem Braga)

Além de ter sido o maior cronista moderno do Brasil, Rubem Braga foi o único autor brasileiro a obter projeção unicamente com suas crônicas. Famoso desde a década de 30, quando a militância socialista o opôs ao Estado Novo de Getúlio Vargas, Braga cultivou a crônica até o final de seus dias.

Na opinião da crítica Luciana Stegagno Picchio, elas são documentos valiosos para a reconstituição de “uma civilização tropical perdida”: o Brasil dos anos 40 a 80. Na origem da sua crônica moderna está o jornalismo, atividade à qual o escritor sempre se dedicou e que o fez viajar pelo Brasil e exterior como repórter e comentarista político.

Grande observador, Braga foi um mestre em revelar o aspecto significativo e permanente de eventos cotidianos comuns. Assim, um quadro sensível dos dramas de nossa época é o que se vê nesta coletânea de 39 crônicas, de diversos momentos do escritor.
Elas também podem ser chamadas de “contos” porque, na literatura brasileira marcada pelo modernismo, a crônica é quase sempre um ponto de partida para uma curta criação ficcional, que evolui livremente para o conto e a prosa poética.

Braga pertence à segunda geração do modernismo brasileiro. Foi a geração que consolidou as conquistas dos modernistas de 1922. O estilo de suas crônicas, que se aproxima da linguagem oral, lembra a poesia “simples e despojada” de Manuel Bandeira.
Muito variadas, tanto em relação à técnica narrativa quanto descritiva, suas crônicas adquirem unidade no fato de serem consideradas crônicas poéticas. Nelas, o “eu” que narra e descreve costuma refletir liricamente, de um modo subjetivo e emotivo, sobre a sua experiência, a passagem do tempo e dos seres, os momentos mais densos que viveu.

O próprio narrador costuma ser a personagem principal e lembra, por vezes, o “contador de causos” do interior, o narrador oral que inspirou algumas das criações mais originais de nosso modernismo e pós-modernismo, como os romances Macunaíma e Grande Sertão: Veredas.

Um modo de classificar as crônicas de Os Melhores Contos de Rubem Braga, seleção de Davi Arrigucci, é observar seus principais temas, que são simples e pouco numerosos: a lembrança da infância em Cachoeiro de Itapemirim (”Praga de Menino”); a sensualidade e o amor em idades e situações diferentes (”Encontro”, “Os Amantes”); a dor pelo próximo e a militância socialista (”Os Perseguidos”); a fuga da cidade e a busca da natureza (”O Mato”); o fantástico e o maravilhoso (”Marinheiro na Rua”, “O Espanhol que Morreu”).

Atenção particular merecem as crônicas que tratam do momento especial de uma revelação, uma epifania, no cotidiano da agitada metrópole moderna (”Visão”). Esses temas surgem isolados ou associados, a exemplo do tom que as crônicas adotam, também variado ou mesclado, podendo ir, num mesmo texto, da seriedade engajada à ironia leve e muito bem-humorada.

Estilo: Rubem Braga pertence à segunda geração do Modernismo, a que foi responsável pela sedimentação das conquistas da primeira fase (1922-1930) desse movimento.

Gênero: “crônica poética”, prosa narrativa e descritiva permeada de lirismo
Personagens: no conjunto das crônicas, há grande variedade de personagens. A principal delas, porém, é quase sempre o próprio narrador.

Os Melhores Contos de Lima Barreto

Resumo do livro Os Melhores Contos (Lima Barreto)

A pobreza e a situação social suburbana de Lima Barreto aguçaram sua visão e senso crítico. Sua obra é uma crônica autêntica dos subúrbios cariocas e de sua população, retratando, de um lado, a população pobre e oprimida desse subúrbio e, de outro, o mundo vazio de uma burguesia medíocre; de políticos poderosos e incompetentes e de militares opressores. Parece refletir, muitas vezes, a própria experiência do autor, principalmente a dos negros e mestiços, que sofriam na pele o preconceito racial. Prendendo-se à autenticidade histórica daquele tempo, sua ficção retrata acontecimentos importantes da vida republicana. Consciente dos problemas, critica o nacionalismo exagerado e utópico, oriundo do Romantismo.

Lima Barreto era um crítico mordaz da sociedade do seu tempo. Vivendo no Rio de Janeiro da recém-proclamada República, pouca coisa escapava de seu olhar perscrutador.

CONTOS:

Um Especialista

Personagens: Comendador, Coronel Carvalho, Alice
Espaço - Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa onisciente, o conto é centralizado na história de promiscuidade do Comendador, que adorava as mulatas a ponto de colecionar uma porção em seu vasto currículo de amantes, apesar de ser casado e de ter filhas. No princípio de suas aventuras no Brasil, pois assim como seu amigo, o Coronel Carvalho, era português, o Comendador, ainda como caixeiro-viajante no Recife, desencaminhou uma jovem e lhe deixou uma filha nos braços, sumindo com uma pequena herança que ela havia recebido quando da morte dos pais. Vindo para o Rio, conseguiu evoluir à posição de Comendador que ora ostentava. No momento, o Comendador estava envolvido com uma bela mulata, que ao final do conto descobre ser a filha que ele abandonara anos antes.
O ataque à conduta imoral e ao falso moralismo da burguesia é explícito, e é o alvo preferencial dos ataques de Lima Barreto, que torna público os desvios, as vilanias, as tortuosidades e as baixezas da classe que ostentava o puritanismo da bandeira familiar.

Lima Barreto tem o poder de retratar sua época e seu momento como um historiador o faria, com o rigor técnico que lhe é peculiar.
O conto vai se arrastando nas tramas das festas, dos bailes e dos espetáculos que animavam as noites da burguesia carioca, e da conversa franca e aberta que os amigos têm com a amante do Comendador, que somente no final, quando a mulata começa a falar sobre seu passado, descobre ser sua filha. A descoberta final é chocante, mas o leitor não se define nem se entende com as próprias sensações, em um efeito brilhante obtido pelo autor, que cria a dualidade do choque moral e a piedade que sentimos com tamanha desgraça em que cai o incestuoso pai, e a punição “justa” e forte que sobre ele recai, purgando seus desvios de conduta e sua imoralidade explícita e despudorada. O que qualquer um que desconhece a literatura de Lima Barreto pode notar, desde este primeiro conto, é um poder de ironia só comparável a Machado de Assis, uma veia satírica, a meu ver inimitável, e uma capacidade de descrever todos os meandros de uma época e de pessoas com uma postura que lembra o Realismo pela análise investigativa do caráter dos indivíduos e suas ambigüidades, mas antecipa o Modernismo na forma, jocosa e aberta com que o faz, tanto na criação das cenas e das seqüências, quanto na adoção de uma linguagem despreocupada com os cânones gramaticais e retóricos de sua época.

O Filho da Gabriela

Personagens: Gabriela, Horácio, Laura, Conselheiro Acácio
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa onisciente, tem o seguinte enredo:Gabriela é empregada na casa do casal Laura e Conselheiro Acácio, que se tornam padrinhos de seu filho e o criam após a sua morte. No início do conto, discute com a patroa por não obter permissão para levar a criança ao médico, já que esta estava enferma. Durante a discussão, e diante da negativa da patroa, Gabriela diz ter conhecimento dos relacionamentos extra-conjugais de Dona Laura, ficando um silêncio sepulcral entre ambas, até que o choro convulsivo da patroa leva a empregada também às lágrimas.

Lima Barreto utiliza o caso criado na narrativa para manifestar sua idéia acerca da igualdade imanente dos seres, iguais em desgraça e frustração, humanos na mais pura e cristalina acepção que a palavra possui, igualdade negada pelos adereços sociais da fortuna, da sorte, do status e da pele, mas que o instinto, a dor, o sofrimento e outras ações imanentes e naturais, vêm revelar e trazer à tona.

A empregada resolve sair da casa da patroa após ter lhe ofendido, revelando escrúpulos que a outra não demonstrara em relação ao marido que traía, embora o narrador mostre sua fragilidade emocional em função da frieza do conselheiro em sua relação com a esposa. Gabriela vaga pelas ruas da cidade à caça de emprego mas não consegue, e enquanto procura, deixa o filho com uma amiga que o maltrata, impaciente com o choro que não fora trazido ao mundo por ela. Passando coincidentemente pela porta da casa da ex-patroa, Gabriela é vista e pára para conversar. Dona Laura lhe convida a retornar, e após pensar e relutar, Gabriela, sem outra alternativa capaz de dissuadi-la, aceita. Logo após o retorno a patroa resolve batizar o filho da Gabriela, que aceita com lágrimas nos olhos. O Conselheiro lhe dá o nome de Horácio, pois a criança nem mesmo possuía um antes, fornecendo-lhe também tratamento médico regular e educação.

Guardou, sempre, os traços da primeira infância, mantendo-se calado e quieto a maior parte do tempo, e rompendo em erupções em outros momentos. Apresentava a face enrugada e o semblante sempre enfezado. Após a morte da mãe, fechou-se mais ainda, deixando de lado os rompantes de alegria e mergulhando em si mesmo, num estranho silêncio, aumentado pela indiferença clara que lhe devotava o padrinho:

Já a esposa, encontrou no garoto um mecanismo para fugir à frustração e mesquinhez da sua vida, devotando a ele os sentimentos que não via realizados com relação ao marido e também com nenhum dos amantes que acumulara ao longo do casamento. Horácio, o garoto, continuou isolado e fechado em seu mundo de fantasmas que a infância lhe proporcionou, recordando em devaneios os tormentos da infância pobre e violenta, o que acaba levando-o à demência, sofrendo ataques de alucinação nos quais saía completamente de si, como o que ocorre no final do conto.

Nota-se na turbulenta existência de Horácio, traços da vida do próprio Lima Barreto, não só na demência de que também foi vítima o autor, mas sobretudo no relacionamento com o padrinho (o seu fora o Visconde de Ouro Preto, pelo que recebeu o Nome de Afonso ), tal qual o de Horácio, frio e distante, tanto que chegou a despertar a frase já expressa no início desta análise: “Os protetores são os piores tiranos.”

A Nova Califórnia

Personagens: Raimundo Flamel, Bastos (o boticário), Coronel Bentes, Tenente Carvalhais - Principais; e Fabrício, Capitão Pelino, Cora, bêbado Belmiro e outros, secundários.

Espaço: Tubiacanga ( RJ)
Narrado em 3ª Pessoa - onisciente, tem o seguinte enredo: Na primeira parte, um homem misterioso e estranho chega a Tubiacanga, para curiosidade da cidade inteira, que acompanhava a ida diária do carteiro à casa do forasteiro para a entrega da vasta correspondência que ele recebia. Logo as atenções se voltaram exclusivamente para ele, com toda a cidade desejando conhecer o novo morador, saber o que fazia, como e de que vivia, dentre outras amenidades. Mas o homem praticamente não saía de casa, e não procurou estabelecer amizade com ninguém. Após Fabrício ter sido contratado para construir um forno na sala de jantar do misterioso habitante, as visões passaram a ser negativas, com toda a cidade imaginando ser ele um falsário, ou alguém pactuado com o diabo, a fazer experiências mirabolantes em sua casa pestilenta. Coube a Bastos, dono da Botica e homem respeitado na cidade a mudança de ânimos e opiniões na comunidade, dizendo ser possível que se tratasse de um químico, um cientista, que resolvera se instalar em Tubiacanga para desfrutar da tranqüilidade do lugar para melhor desenvolver seus experimentos. Bastou tal possibilidade para a cidade passar a adorar o visitante sem mesmo conhecê-lo, e para alguns, como o Capitão Pelino, destilarem inveja por tamanha fama.

A segunda parte é curta, e revela o motivo da estada do forasteiro, chamado Raimundo Flamel, em Tubiacanga. Ele procura Bastos e pede para demonstrar-lhe uma experiência que havia desenvolvido, mas que ainda não poderia divulgar ao mundo científico, necessitando, por isso, que três testemunhas vissem tal feito e testemunhassem a sua autoria. O detalhe significativo do trecho é que as pessoas que acompanhariam a experiência deveriam ser honestas e de alta confiança, e Bastos tem enorme dificuldade em encontrar os nomes, em clara ironia aos valores da sociedade, hipócrita e imoral. Ficou marcado para o domingo a verificação do experimento e depois desse dia, Flamel desapareceu misteriosamente.

A terceira parte revela de que se tratava a experiência, ao mostrar a indignação da cidade com uma série de crimes que insistia em se repetir, e que aumentava a revolta de todos na comunidade. Os ossos do cemitério do sossego estavam sendo roubados, e algo assim atacava justamente dois dos pilares mais sólidos da sociedade: a crença religiosa, e o respeito aos mortos. As pessoas resolvem fazer vigília no cemitério para flagrar os criminosos, e após algumas falhas conseguem fazê-lo, matando um a pancadas e deixando o outro a suspirar moribundo, e qual não foi o espanto de todos quando perceberam tratar-se do Tenente Carvalhais e do Coronel Bentes, que ainda murmurava, e disse o nome do terceiro criminoso que havia conseguido fugir. Perguntado acerca do motivo para tal desfeita com todos, o coronel disse que o farmacêutico (o terceiro meliante) detinha uma fórmula capaz de transformar ossos humanos em ouro.

A multidão vai em peso à casa de Bastos, que consegue evitar o linchamento prometendo passar para o papel todos os passos e etapas da experiência e entregar a todos na manhã seguinte. A noite foi um caos, uma verdadeira barbárie no cemitério, com todos se engalfinhando por um punhado de ossos, havendo até batalhas e homicídio na luta por uma porção maior. Pais reviravam túmulos de filhos, filhos de pais, em uma maratona insana e desesperada movida pela cobiça e pela ambição desenfreadas. E enquanto as pessoas guerreavam no cemitério, o farmacêutico Bastos fugia carregando seu segredo, e o bêbedo Belmiro se extasiava, indiferente a tudo, com a cachaça que retirou do bar abandonado, ficando deitado, às margens do rio Tubiacanga, tendo a lua como testemunha de que seu alcoolismo era, sem dúvida, o mais ameno dentre todos os crimes da cidade.

Esse conto foi adaptado para a Rede Globo e foi ao ar como novela - Fera Ferida.

O Homem que Sabia Javanês

Personagens: Castelo, Castro, Barão de Jacuecanga
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 1ª pessoa (personagem) se desenrola da seguinte forma: Em uma confeitaria, o narrador Castelo confessava ao amigo Castro algumas das aventuras e golpes que empreendeu na luta pela sobrevivência, centrando seu relato no caso das aulas de Javanês que ministrou, mesmo desconhecendo o tal idioma, ao Barão de Jacuecanga.

Na verdade um anúncio no jornal, convocando um professor de Javanês para ministrar algumas aulas particulares interessou Castelo, que embora não soubesse o idioma sabia que o aluno também não o sabia, bastando portanto um pouco de criatividade para ganhar um dinheiro fácil. Castelo passa em uma biblioteca, consulta uma enciclopédia e coleta algumas informações sobre Java, e sobre o alfabeto lá utilizado. O barão, velho e doente, desejava aprender javanês para ler um livro que lhe fora deixado pelo pai, que o fez prometer que o leria antes de morrer, promessa esta que o pai também havia feito ao seu pai, tendo, porém, deixado de cumprir. O livro traria a quem o lesse os segredos da felicidade. O Barão faz este relato com os olhos banhados em lágrimas, mas nem assim, Castelo deixa de lado a idéia de ensinar-lhe o que não sabia, em clara despreocupação com o outro e falta de escrúpulos.

Ao fim de alguns dias, o Barão desiste de aprender javanês e pede a Castelo que leia o livro para ele, pois não estaria assim deixando de cumprir a promessa feita ao pai. O narrador inventava histórias que encantavam o velho, que lhe cobria de presentes, aumentava o salário, enfim, iludia-se cada vez mais com a capacidade de Castelo.

O Barão cuidou então de indicar Castelo para a Diplomacia, onde foi recebido com louvor e admiração. Quando passava por entre as mesas da Secretaria de Estrangeiros, alguns cutucávamos outros dizendo tratar-se do homem que sabia javanês, outros, invejosos e vis, diziam também saber algo importante que com certeza ele não saberia. O caso é que acabou sendo designado a participar de um congresso de Lingüística e começou a publicar artigos sobre a literatura javanesa em revistas e jornais do Brasil e da Europa, sempre com grande êxito, embora confessasse tudo copiar de artigos e revistas. Continuou sua carreira diplomática recebendo homenagens, não faltado aí nem mesmo o Presidente da República, que também se rendeu aos conhecimentos do gênio notável.

A grande relevância do conto reside na crítica à falsa sabedoria, e até mesmo à sabedoria inútil, aquela que é dominada e cultivada por uma meia dúzia de “sábios” que não partilham com mais ninguém, comunicando-se em uma língua que somente eles dominam.

Um e Outro

Personagens: Lola, Freitas, José, Mercedes
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa onisciente, tem o seguinte enredo: retrata uma personagem leviana e materialista, dissimulada e promíscua que sobreviveu da prostituição, após abandonar o marido por não mais suportar a vida pobre e difícil do campo, e ganhou dinheiro, fez fortuna, vivendo agora uma vida de rainha, com três criadas para lhe servir, móveis luxuosos e caros, uma casa ampla e confortável, enfim, uma estrutura material muito bem constituída, tudo fruto dos anos de prostituição durante os quais deitava-se com homens em troca dos benefícios que recebia, servindo como amante temporária a vários deles e retirando deles aquilo que mais lhe importava: dinheiro.

Lola, a prostituta espanhola, era mãe de Mercedes e amante de Freitas, funcionário de uma casa comercial, mas sua grande paixão era um chauffeur chamado José, que dirigia um carro preto imponente, que ao lado do condutor, compunha o universo de fantasias de Lola. A ela nada importava além da condição adquirida, mostrando seu perfil materialista e frio.

Lola costumava presentear o chauffeur com mimos adquiridos pelo dinheiro que Freitas lhe dava, mas acaba se desencantando súbita e totalmente de José quando este lhe revela que não mais dirige o carro potente, preto, imponente, lustrado e maravilhoso que com ele compunha as fantasias dela. Lola não conseguia dissociar as duas imagens, tanto o carro sem ele não fazia sentido, quanto ele sem o carro não lhe dizia nada. E após ouvir dele a notícia, deitou-se ainda uma última vez, por medo de ofender-lhe a dignidade de homem, mas com a indiferença de quem perde completamente o gosto por aquele que lhe vai acariciar.

Temos neste conto, além da denúncia do materialismo vazio e estúpido revelado por Lola, a promiscuidade da sociedade carioca e um pequeno mergulho no universo das fantasias e desejos espúrios, que ironicamente, não fazia parte somente dos cortiços e vilas do Rio, mas também se fazia ouvir em Copacabana, Botafogo e outro bairros requintados da cidade.

“Miss” Edith e seu Tio

Personagens: Mme. Barbosa, Mlle Irene, Angélica, Miss Edith, Mr. George Mac Nabs, Magalhães
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa - onisciente, tem o enredo: Mme Barbosa é proprietária da pensão familiar Boa vista, e mãe de Mlle Irene. O retrato que o narrador nos apresenta das duas acentua fortemente os traços de materialismo e interesse, que levam Irene, inclusive, a colecionar noivos, estudantes das mais variadas profissões com os quais não conseguiu se unir definitivamente, acabando por estar noiva do funcionário público Magalhães, burocrata mediano, perto do que sonhara para a sua vida, mas que, retirados os contras, recebia bem e lhe respeitava.

A mãe não era diferente ambicionando sempre muito mais do que possuía ou poderia possuir. Eis que chega à pensão um casal de ingleses que se apresentaram como tio e sobrinha, alugando dois quartos da pensão, um próximo do outro.O tratamento dispensado aos demais hóspedes é modificado, com as atenções recaindo agora somente sobre o casal de estrangeiros, que devem ser muito bem tratados, segundo pensa a dona da pensão, para poderem falar bem do estabelecimento e trazer mais ingleses para ele, tudo na expectativa de um lucro maior.

Após inúmeros exemplos de submissão e adoração aos ingleses, principalmente protagonizados pela empregada Angélica, que desenvolveu verdadeira devoção por Miss Edith, surge a descoberta fatídica e frustrante. Certa manhã, como fazia todos os dias, Angélica foi ao quarto de Miss Edith despertá-la e levar-lhe uma xícara de chocolate quente, mas não a encontrou no quarto e se espantou por encontrara cama arrumada. Lembrou-se logo de ter visto a porta do banheiro aberta, e que Miss também lá não estava. Tal foi seu espanto quando saindo para o corredor e viu a inglesa saindo do quarto do tio em trajes menores.

Como o Homem Chegou

Personagens:Delegado Cunsono, Doutor Sili, Douto Melaço, Doutor Jati, Fernando, Doutor Barrado e outros
Espaço:Rio de Janeiro e Manaus
Narrado em 3ª pessoa, com intervenções irônicas em 1ª pessoa, o enredo se desenrola fazendo uma violenta crítica à burocracia do serviço público e à ineficiência de seus funcionários, apontando um caso no qual a inépcia de um Delegado e de seus auxiliares levou um inocente, que havia sido preso sob a acusação de ser louco, viesse a falecer.

Um homem em Manaus, chamado Fernando foi acusado de demência por estudar astronomia e divulgar conhecimentos misteriosos acerca dos astros, o que causou indignação ao Doutor Barrado, uma espécie de referência intelectual do lugar, que se revoltou com a súbita aparição de alguém com a ousadia de pensar e investigar. O trabalho de prendê-lo coube à equipe do Delegado Cunsono, que faz jus ao nome, e designou alguns elementos que buscaram Fernando no Amazonas. Com a informação de que o demente era perigoso e violento, ficou decidido que a prisão deveria ser efetuada em um carro forte, que traria o homem sem riscos aos que o prenderiam.

Para chegar em Manaus operou-se uma verdadeira epopéia, com carro blindado afundando e sendo retirado da água, sendo colocado no restaurante de um barco, até que enfim chegou ao destino. Após mais alguns problemas de percurso, que aliás, sempre quando surgiam, levavam os auxiliares do delegado a enviar um telegrama a ele, no Rio, pedindo orientação sobre como proceder, e este celeremente enviava a resposta, para que somente após isso, o bloco seguisse rumo, com destino ao Rio de Janeiro. Ao fim de pouco mais de dois anos de viagem, o carro chega ao Rio, com o prisioneiro morto. O detalhe é que os encarregados de trazer Fernando, “o demente perigoso”, já algum tempo desconfiavam de que ele poderia estar morto, mas não ousavam quebrar os procedimentos, que indicavam a incomunicabilidade do preso e seu encarceramento total e constante. Dificilmente outro texto que procure denunciar a lentidão, a morosidade e a incompetência da burocracia pública o fará com tamanha perfeição, e tampouco estenderá um processo por tanto tempo quanto o visto neste conto.

Harakashy e as Escolas de Java

Personagens:o narrador, Harakashy, Doutor Karitschá Lanhi
Espaço (fictício): Batávia, na ilha de Java

Narrado em 1ª pessoa (personagem) este conto é na verdade uma sátira às escolas brasileiras e a nossa Academia e Letras, metamorfoseadas nas respectivas instituições de Java, como já foi visto em O Homem que Sabia Javanês. Lima Barreto destila aqui todo o seu ressentimento, seu rancor e sua mágoa por ter sido barrado na Academia e ter sofrido na Escola Politécnica, na qual estudou Engenharia sem conseguir, contudo, a formatura.

Há críticas à ciência produzida em Java.

No conto há uma figura interessante que muito lembra Lima Barreto, pela trajetória de sua vida contada pelo narrador. Trata-se do jovem Harakashy, que foi preterido pelas escolas de Java por não adequar-se aos seus perfis.
Não é difícil perceber o caráter pessoal destas palavras, bem como as utilizadas em O Filho da Gabriela, revelando mais uma vez que o tom irônico de Lima Barreto, não poucas vezes, obedece a impulsos de origem íntima, frutos da mágoa e da do sentimento e inferioridade que passou a sentir após a seqüência de fatos negativos de sua vida pessoal.

Cló

Personagens: Isabel, Clódia (Cló), Dr. André, Dr. Maximiliano, Fred
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa onisciente, o conto retrata a decadência moral de uma família durante o carnaval no Rio, tendo como centro a personagem Cló, filha do casal Isabel e Maximiliano, irmã de Fred, que procura deliberadamente se insinuar para o Dr. André, um amigo da família que é casado. No entanto, o narrador procura fazer demoradas descrições dos hábitos mundanos e lascivos da sociedade durante os festejos da carne, na clara intenção de nos oferecer um retrato moral dessa sociedade, que certamente se confronta com aquilo que publicam e normalmente as pessoas procuram demonstrar, emergindo então a idéia da hipocrisia, da leviandade, e do falso moralismo que impera inabalável nos reinos familiares cariocas.

Em determinado momento, Doutor Maximiliano começa a reclamar das dificuldades da vida, principalmente das financeiras, e o Doutor André lhe estende uma polpuda nota, que o primeiro recusa molemente aceitando por fim após a insistência de André. Parece que o que liga André à casa de Maximiliano e Isabel é mesmo o despudor explícito de Cló, que a ele se insinua com cada vez mais clareza, como nos revela o final, que é, do ponto de vista da família melancólico.

Ao acabar, era com prazer especial, cheia de dengues nos olhos e na voz, com um longo gozo íntimo que ela, sacudindo as ancas e pondo as mãos dobradas pelas costas na cintura, curvava-se para o Doutor André e dizia vagamente:
Mi compra ioiô!
E repetia com mais volúpia, ainda uma vez:
Mi compra ioiô!”

Adélia

Personagens: Adélia, Gertrudes e Giuseppe (seus pais), Dr. Castrioto ( do dispensário)
Espaço: Rio de Janeiro
O artifício empregado por Lima Barreto, criando um diálogo entre dois personagens cujos nomes sequer aparecem, em que um procura convencer o outro de algo, e lhe conta a história que lemos como argumento. Lemos uma história dentro de outra história, como aquelas bonecas de pano, que guardam dentro de si inúmeras outras iguais, só que em tamanhos menores.

Este é um conto com forte carga social denunciativa, apontando os problemas do sistema de filantropia, com base na crítica a um hábito que parecia ser comum para a época, de haver casamento das garotas recolhidas à Casa de Expostos no dia de Santa Isabel. Duas pessoas conversam sobre o assunto e uma procura comprovar para a outra o caráter negativo destas instituições, por protegerem as crianças que lá chegam nos primeiros anos de vida, para depois lhes soltarem, sem nada que lhes assegure um futuro garantido.

Para tentar convencer seu interlocutor, o personagem conta a história de Adélia, que fora deixada pelos pais no dispensário (orfanato) e se casou no dia de Santa Isabel, sem amor ou nada com ele parecido. No princípio a vida sexual ativa lhe animou e deu formas. Mas passados dois anos de casamento, o marido lhe cai enfermo com uma tosse incurável da qual será vítima. Ela, insatisfeita com a vida de enfermeira de alguém a quem ela não ama, acaba cedendo a um convite recebido, que é feito e aceito repetidas vezes depois, até que Adélia adquire hábitos novos, aparece com novas roupas, sapatos e outros elementos de vestuário.

Na verdade a mulher começou a se prostituir, ganhou dinheiro, presentes, comprou objetos e roupas mas perto dos 30 anos começou a emagrecer, a definhar, a perder o viço e a beleza que lhe garantiam o sustento, e acabou morrendo. Mas mesmo no período em que estava bem, em que era cobiçada e comercializava seus amores, nunca perdeu o olhar vago e perdido que cultivou desde o início da vida, desde que foi deixada na Casa de Expostos e que foi casada no dia de santa Isabel.

Lívia

Personagens Lívia e seus pais, Godofredo, Siqueira
Espaço: Rio de Janeiro
Narrado em 3ª pessoa onisciente, tem o seguinte enredo: Lívia é uma rapariga pobre e desarranjada, que já teve inúmeros namoros mas nenhum resultou em casamento, e que fica em casa a arrumar, varrer, pegar objetos para os outros, preparar o café da família, amesquinhada por uma vida medíocre e angustiada com isso. Passa o dia alimentando-se de devaneios, nos quais consegue sua libertação da condição miserável em que se encontra, sempre através de um bom partido, de um casamento que lhe redime e lhe garante boa condição econômico-social. Seus delírios eram protagonizados ora por Godofredo, ora por Siqueira, mas sempre recheados com fantasias luxuosas e requintadas, ambientados na Europa e com tudo mais que uma mente sonhadora quer e deseja.

Trata-se de um conto curto, no qual repousa uma crítica contundente contra os casamentos arranjados, por mera e pura conveniência, e destinados a solucionar problemas econômicos e alavancar socialmente as pessoas.

Mágoa que Rala

Personagens: Dr. Mota Garção, Grauben, Lourenço
Espaço: Rio de Janeiro
O conto é dividido em duas partes bastante distintas, com a primeira servindo somente para ambientar as ações, que serão narradas na segunda parte, e também para o narrador manifestar suas críticas e denúncias, centradas especificamente na burguesia carioca.

Ainda na primeira parte, vem à tona o assassinato de uma mulher, uma alemã chamada Grauben, cujo corpo foi encontrado no Jardim Botânico, ao lado de um punhal em que estava grafada a expressão: “Soy yo!” O delegado encarregado do caso, Dr. Matos Garção fora nomeado por indicação, sem apresentar qualquer indício da capacidade para ocupar o posto. O inquérito já havia se arrastado por várias semanas, muito por obra da inépcia do delegado, até que um jovem, chamado Lourenço da Mota Orestes resolve ir delegacia e confessar a autoria do homicídio. Com a apresentação voluntária do assassino o Delegado o encarcerou, e convocou a Imprensa pra revelar o desfecho do caso, sem mesmo ter ouvido detalhadamente o réu confesso.

Todas as pessoas ouvidas em depoimento, umas mais outras menos, colaboraram na construção da ausência de responsabilidade do jovem, o que contrastava com sua confissão, e cria um caso estranhíssimo para todos, já que tudo indicava que o jovem não era culpado, menos sua confissão. Foi a Júri, mas ninguém, nem mesmo o Promotor, tinha convicção da sua culpa, o que acabou levando, com certa facilidade até, a sua absolvição. Contudo, o jovem ainda protestou contra a decisão do Júri, dizendo ser necessária a aplicação de uma punição a uma pessoa como ele delituosa e vil. Um artigo publicado em uma pequena revista deu conta de um caso análogo ocorrido na Alemanha, no qual um rapaz, tendo praticado um pequeno furto, arrependeu-se por ter manchado o nome da família e maculado a imagem dos pais e assumiu a autoria de um homicídio que não cometeu, com o intuito de aplacar a consciência.

Uma Vagabunda

Personagens: Frederico, Chaves, Alzira
Espaço: Rio de Janeiro
Novamente Lima Barreto utiliza o artifício do narrador que relata uma história que ouviu alguém contar a uma terceira pessoa, apresentando uma 1ª pessoa em quase todo o texto, pra no final, ou em pequenas e discretas passagens em seu interior, manifestar-se em 3ª pessoa.

Dois companheiros conversam em um bar, e Frederico resolve contar a Chaves a história de Alzira, uma vagabunda que certa vez lhe pedira dinheiro emprestado, mais precisamente 5 mil-réis, após terem se encontrado em uma bar. Logo após, vendo-o pagar a conta com um volumoso monte de cédulas, pediu-lhe mais 5 mil, que Frederico negou prontamente. Alzira indignou-se e lhe atirou os cinco mil que lhe haviam sido emprestados no rosto de Frederico. No entanto, em a outra ocasião, Frederico, sujo, maltrapilho, vivendo uma péssima fase, entra em um bar no qual Alzira está. Ela lhe cumprimenta educadamente e lhe oferece a passagem do bonde. Frederico procurou negar, mas Alzira a ofereceu com tanta veemência que lhe foi impossível recusar. O detalhe mais significativo é o choque da cena final com a idéia que faziam a mulher, demonstrando a imperfeição dos juízos sem provas dos pré-conceitos.

Sua Excelência

Personagens: Ministro e cocheiro
Espaço: Baile da Embaixada
Narrado em 3ª pessoa onisciente, este é um conto diferenciado dos demais, sobretudo por seu caráter psicológico e a variedade de interpretações que suscita.É notável, em sua temática a denúncia da vaidade, o narcisismo, da autolatria manifestada pelo Ministro no início do conto, em que fica a repetir, para a própria consciência, trechos do discurso que acabara de proferir. No mais, a interpretação a meu ver mais clara é a de que o ministro entra em um estado de delírio, de transe, de devaneio, que o faz perder os sentidos, e nesse delírio, ele vê a si mesmo descendo as mesmas escadarias que instantes atrás ele descera, só que agora ele se sentia na pele de um reles cocheiro, perguntando a sua própria imagem se queria o carro, como se o devaneio indicasse o caráter ambíguo da realidade e o fato de que a baixeza, a inferioridade, a submissão também fazem parte do nosso mundo, da nossa realidade, e que, às vezes, as pessoa poderiam passar pelos dois momentos, sentindo e sofrendo na pele com algo que sempre impeliu aos outros.

Os Prathes

Resumo do livro Os Prathes (Zefinha Louça)

Depois de trilhar durante muitos anos pelos caminhos da poesia, a poeta Zefinha Louça resolveu também se enveredar pelo romance. Foi assim que surgiu “Os Prathes” (Editora Kelps), novo livro da autora, que mesmo escrito em prosa, possui muitas pinceladas poéticas aqui e acolá, numa linguagem sem subterfúgios, que parece marcar a novo estilo adotado por Zefinha já há algum tempo.

De acordo com Zefinha Louça, escrever “Os Prathes” foi uma experiência agradável, não só pelo prazer de viajar, que se tornou um hobby da autora, mas também pela busca incessante de informações sobre a vida dos personagens da história por ela narrada na obra, cujo enredo se passa basicamente na fazenda Campos Lindos, situada às margens do rio Corrente, onde viveu o casal Catharina e Eduardo Prathes.

O livro é prefaciado pelo presidente da Academia Tocantinense de Letras, Juarez Moreira Filho, que chama a atenção para a técnica de reconstituição do passado adotada por Zefinha Louça na elaboração dos textos. “Incansável, Zefinha soube restaurar artesanalmente e interpretar com a alma as lembranças longínquas da família Prathes, já perdidas nas curvas do tempo, arrancando-as do abismo com perspicácia e seriedade, trazendo-as lapidadas para as páginas de seu romance”, afirmou Juarez.

Os Ratos

Resumo do livro Os Ratos (Dyonélio Machado)

Modernismo de segunda fase. A história começa com o leiteiro ameaçando cortar o fornecimento caso Naziazeno, um modesto funcionário público, não lhe pague os $53000. Naziazeno passa então o dia atormentado, tentando conseguir o dinheiro: pede emprestado ao chefe (que lhe nega), joga (não consegue na roleta ou no bicho) e acaba conseguindo um empréstimo com o amigo Alcides. À noite, não consegue dormir preocupado com o dinheiro e com a idéia (quase certeza) de que os ratos roem o dinheiro para o leite de seu filho. Só dorme quando ouve o leiteiro despejar o leite. Numa prosa urbana (a história se passa na cidade), regionalista (porto-alegrenses reconhecem facilmente sua cidade) e intimista (o drama de Naziazeno, embora banal, é sempre apresentado detalhadamente), Os Ratos passa-se apenas em um dia de muito drama para seu protagonista. Estudos e resumos de livros Os Ratos Estudo da professora Célia A.N. Passoni Etapa Vestibulares Dyonélio Machado Os Ratos teve sua primeira edição em 1935 e, por seus méritos literários, foi homenageado com o “Prêmio Machado de Assis”, que Dyonélio Machado recebeu junto com Érico Veríssimo, Marques Rebelo e João Alphonsus. Estava destinado, desde o início, a tornar-se um clássico da 2ª geração modernista. Dyonélio Machado diplomou-se em Medicina com especialização em Psiquiatria. Dedicou-se também ao jornalismo e à política. De suas atividades profissionais como psiquiatria, herdou a profunda capacidade de observar, o que lhe permitiu mergulhar fundo no interior dos seres humanos, investigando-lhes a essência: pequenos e grandes dramas, angústias que provocam necessidades mais traumatizantes. As atividades de jornalista possibilitam nascer, no escritor, a preocupação com o estilo: rápido, certeiro, bem-dosado, tornando-se um mensageiro perfeito e de linguagem clara e simples, que permite ao leitor penetrar nas mais profundas investigações sobre o homem de maneira cautelosa, mas incisiva. E, finalmente, das suas atividades políticas tornaram-se possíveis as investigações sociais.Dessas três coordenadas do escritor, pode-se resumir Os Ratos: um relato psicológico, revolvendo a mente atormentada de um pobre homem; e que se alarga porque, de certa forma, reflete toda uma angústia coletiva, angústia presente em uma camada social que sobrevive à mercê de agiotagens, empréstimos, penhores e outros subterfúgios utilizados pelos homens para poder conseguir o dinheiro, que lhes permitirá sobreviver mais um dia, um único e mísero dia. Mas no horizonte há uma estreita realidade, uma malha cheia de fios sempre crescente, sempre torturante que pode ser resumida na certeza de se ter transferido para o dia seguinte a mesma necessidade: a angústia do pagamento de outras dívidas.A obra pode ser definida como um drama urbano e envolve a vida de um reles funcionário público de baixo escalão, com pequenos rendimentos, pequena família, pequena vida e problemas a serem resolvidos. Acrescenta-se ao quadro a capacidade de condensar toda a ação do volume em um único dia. Seguindo o traçado do Sol no horizonte, o dia tem seu início com a colocação do problema, ao meio-dia intensifica-se, levando o leitor a conhecer e se aprofundar no desespero do protagonista, para, no final, tornar-se mais um problema “resolvido”, mas com a pequena e mesquinha solução de somente transferir para mais tarde a resolução definitiva. Um retrato duro do famoso “jeitinho brasileiro” de solucionar problemas.A narrativa é feita em 3ª pessoa, cuja vantagem é trazer a onisciência para que o leitor possa adentrar ao máximo na problemática, sem encontrar barreiras de espécie alguma. O personagem principal é Naziazeno, pequeno funcionário público, casado com Adelaide, com um filho ainda bebê e que, por isso mesmo, necessita de leite. O problema surge a partir do momento em que o leiteiro se recusa a continuar o fornecimento se Naziazeno não liquidar a conta atrasada. Como o leiteiro exerce uma espécie de domínio sobre o personagem, uma vez que a ele é dada a capacidade de escolher entre entregar ou não o leite, cabe a ele também o papel de coagir o já acuado personagem.O primeiro capítulo apresenta a situação de desespero que daí para frente aumenta a cada passo que é dado no romance, culminando com um clima de angústia e de desespero para se conseguir o dinheiro necessário para o pagamento da dívida. Em um primeiro instante, a tendência de Naziazeno é desvalorizar o leite:”Um silêncioMexe nos bolsos; dá a volta à peça; vai até o cabide de parede, onde havia colocado o chapéu.- Me dá o dinheiro – diz, num tom seco, torcendo-se para a mulher, enquanto pega o chapéu.- E voltando ao ‘seu ponto’, depois de pôr no bolso os níqueis que a mulher lhe trouxera:- Aqui não! É a disciplina. É a uniformidade. Nem se deixa lugar para o gosto de cada um. Pois fica sabendo que não se há de fazer aqui cegamente o que os outros querem.A mulher não diz nada. Voltara a esfregar uma qualquer coisinha na tábua da mesa.Ele se pára bem defronte dela e a interpela:- Me diz uma coisa: o que é que se perdeu não comendo manteiga, isso, que é mais um pirão de batatas do que manteiga?Ela não responde.- E o gelo?… pra que é que se precisava de gelo?…Faz-se uma pausa. Ele continua:- Gelo… manteiga… Quanta bobice inútil e dispendiosa…- Tu queres comparar o gelo e a manteiga com o leite?- Por que não?- Com o leite?!Ele desvia a cara de novo.- Não digo com o leite – acrescenta depois – mas há muito esbanjamento.- Aponta o esbanjamento.- Olha, Adelaide (ele se coloca decisivo na frente dela) tu queres que eu te diga? Outros na nossa situação já teriam suspendido o leite mesmo.Ela começa a choramingar.- Pobre do meu filho…- O nosso filho não haveria de morrer por tão pouco. Eu não morri, e muita vez só o que tinha para tomar era água quente com açúcar.- Mas, Naziazeno… (A mulher ergue-lhe uma cara branca, redonda, de criança grande chorosa)… tu não vês que uma criança não pode passar sem leite?…”Naziazeno levanta-se cedo, e cedo toma o bonde que o leva à repartição. Suas lembranças andam soltas: primeiro retoma as conversas de Horácio e Clementino, embora simples serventes, conhecem certos prazeres que a ele são vetados. Por suas lembranças ainda passa a doença do filho, diarréia, desnutrição. Não pagou o médico, porque é de hábito não pagar ninguém. Percorre com o olhar e fixa os olhos em um passageiro do bonde. Um mal-estar o invade ao reconhecer, nas mãos do outro, o leite:”- Leite. É o meu almoço.‘- Como é que um homem pode se contentar apenas com um vidro de leite ao meio-dia?’ – pensa Naziazeno. O olhar do ‘leiteiro’ ameaçando-o, insultando-o, e que ele sustenta mal, aparece com nitidez na face atrigueirada, sobre o pescoço forte que emerge da camiseta muito justa…- E de manhã, que é que você toma?- Churrasqueio.”Presta atenção nas conversas nos bancos vizinhos, e, ouve falar em jogo, corrida de cavalo, em que ele já havia depositado muita esperança, como todos aqueles que se apegam em dinheiro fácil para salvar suas vidas difíceis. Que esperança! Que tristeza quando não se realiza o grande sonho:”Naziazeno quanta ‘esperança’ já depositara no betting… Aos sábados era certo munir-se da sua cautela. Tinha um companheiro, o Alcides. Às vezes, quando a crise apertava, faziam sociedade. Um dia tinham tido um susto: faltava conferir apenas um páreo, o primeiro jogo. Alcides começara por longe, pelo último: Macau! Tinha acertado um! e se dá?… Um turbilhão enche-lhe a cabeça. Vamos ver! vamos ver! O outro! – o outro também, a égua Singapura, o grande azar do penúltimo páreo, o seu azar! Alcides levanta-se da mesa. Tem medo de prosseguir, medo mesmo de acertar. Quase desejava ter já errado, acabando aí essa ilusão torturante. Ele ainda se encaminha em direção ao grande quadro negro pregado numa das paredes de café, o passo vago, como num sonho. Mas logo se reincorpora, decidido: e foge dali, não quer saber mais nada, quer ocultar-se e é assim que encontra o amigo.Esse susto foi memorável.”Mas, a todo momento, sobrepõe aos seus pensamentos a figura superior e inquietante do leiteiro. Naziazeno procura acreditar que parcela de culpa cabe à mulher que não se impõe, porque é tímida, não grita, empalicede e sofre. A mulher não tem a força necessária para lutar, gritar, ir avante. É um ser submisso e infeliz. E o bonde continua. Houve uma brecada horrível por causa de duas crianças que estavam nos trilhos. Alguns comentários e risos distraem o protagonista por alguns instantes, mas o leiteiro o domina pouco depois, sempre lhe vindo à mente a frase Lhe dou mais um dia!. São cinqüenta mil-réis.O bonde parou e Naziazeno sentiu quase uma atração que o levou para o mercado, onde gastou dois tostões em um café com leite, embora soubesse que era necessário prudência e economia em uma situação como a sua. O café acende seu ânimo, reaquecendo sua esperança.”Sente-se outro, tem coragem, quer lutar. Longe do bonde (que é um prolongamento do bairro e da casa) não tem mais a ‘morrinha’ daquelas idéias… Naquele ambiente comercial e de bolsa do mercado, quantos lugadores como ele!… Sente-se em companhia, membro lícito duma legião natural.”Monta mentalmente um pequeno plano: pedir emprestado ao diretor, que já o havia socorrido ma vez. Pensou em recorrer ao amigo Duque, que sempre tinha facilidade para safar-se de situações semelhantes. Mas a indecisão, o medo, a incerteza tomam conta de Naziazeno. Mentalmente, quase quixotescamente, constrói as imagens do que seria, mas o fracasso toma conta não só da realidade, mas da fantasia, do “seria possível que”.”Um gelo toma todo o seu corpo. Gelo que é tristeza e desânimo. Voltam-lhe as cenas da manhã, o arrabalde, a casa, a mulher. Tem medo de desfalecer nos seus propósitos. Acha-se sozinho. Aquela multidão que entra e sai pela enorme porta do café lhe é mais do que desconhecida: parece-lhe inimiga. Já acha absurdo agora o seu plano, aquele plano tão simples. Quando pensa em pedir ao diretor sessenta mil-réis emprestados – sessenta! – chega a sentir um vermelhão quente na cara, tão despropositado lhe parece tudo isso. ‘- Sessenta mil-réis! um ordenado quase!… É isso coisa que se peça?!’” Ao chegar na repartição, o drama recomeça ameaçador e prepotente. Seu trabalho é monótono e consiste em fazer levantamento de fraturas. Algumas poucas contas para um serviço que não precisava estar em dia, e, por isso mesmo, Naziazeno mantinham-o atrasado cerca de dez meses.Os planos traçados por Naziazeno só ficam na concepção, porque as coisas não acontecem como ele havia planejado. O diretor da repartição nesse dia passa antes pela Secretaria. Procura o Duque, amigo que sempre lhe consegue cavar algum dinheiro, mas não o encontra. No café, encontra o Fraga e o Alcides, fitando a ambos com o olhar vago e triste. Alcides enverga um casaco muito feio e estranho, e explica o fato por ter pedido emprestado, pois fora roubado. Por ser amigo de um repórter, o roubo foi notícia do jornal da tarde.Para desespero do protagonista, a amigo Duque não foi ao café, agravando ainda mais seu estado psicológico, em que experimenta, mais uma vez, a sensação de amargura e de náusea. Já que o Duque não aparecera, ficou tentado a colocar em prática seu primeiro plano – ir ter com o diretor -, mas Alcides coloca em dúvida se o diretor irá atende-lo. Naziazeno pensa em cavar o dinheiro de outro modo, mas sente-se imóvel, incapaz.”(…) A sua idéia era sempre ‘uma pessoa’: o diretor, o Duque… como isso o humilhava! Qualquer daqueles seus amigos, com menos cabeça do que ele, mexia-se. Ele se limitava a recorrer a um ou outro… ‘- Eu sei que há muitos homens que arranjam um biscate depois que largam o serviço’ – dissera-lhe uma vez a mulher. ‘- Por que não consegues um para ti?’ – Realmente, por que não ‘produzir’ como os demais, como todo o mundo? Agora mesmo, toda essa manhã perdida em busca de uma e outra pessoa, quando podia estar agenciando, cavando… Certa ocasião ele vira o Duque ganhar oitenta mil-réis pra pagar o aluguel atrasado aproximando dois sujeitos: um que queria vender um terreno, outro que queria compra-lo. Foi um transação limpa e rápida. Ainda os sujeitos ficaram sorrindo pra o Duque, um sorriso de admiração bondosa…Mas onde estão os negócios? Onde estão? Ele nunca ‘via nada’; era a aptidão que lhe faltava…”Retornando à repartição, tenta obter empréstimo com o diretor, mas não consegue. Tem preguiça de articular outro plano para obter o dinheiro, só não lhe faltam planos de fuga ou idealizações.”Idealizar outro plano? Tem uma preguiça doentia. A sua cabeça está oca e lhe arde ao mesmo tempo. Aliás, o sol já vai virando pra a tarde (já luta há meio dia!), perdeu já a sua cor dourada e matinal, uma calmaria suspende a vida da rua e da cidade.” Alcides talvez não o esteja esperando. E o seu desejo mesmo é não encontra-lo, não encontrar ninguém. Não vai voltar pra casa. A questão dos níqueis é o de menos… Não voltará também à repartição, no expediente da tarde. (Os seus papéis ficaram sobre a carteira. Todos os esperam, passam-se as horas. À hora de fechar, o Clementino hesita: guardará ou não?).(…) Pagar o leiteiro, entregar-lhe a importância: ‘- Tome, é o seu dinheiro.’ Virar-lhe as costas sem dizer mais nada, sem mesmo querer reparar na sua cara espantada, surpresa e o seu tanto arrependida agora… Outra vida ia começar. Iria direto à caminha do filho, criança brincando com criança. ‘Se instalaria’ na mesa pra tomar o café. Tudo era calmo e ao mesmo tempo vivo ao seu redor. Amanhã voltava a ter aquele encanto antigo. (…)”Tenta pensar no jogo do bicho, esperança de todo brasileiro endividado. Alcides sugere que ele cobre uma antiga dívida sua, bastando, para tanto, procurar a casa de Andrade, mas Naziazeno entorna tudo, ao aceitar passivamente as explicações do devedor. Ao sair, mergulha novamente na angústia que o acomete e na insegurança de poder conseguir o dinheiro. Procura O Mister Rees, indicado por Andrade como um possível pagante, mas ele se encontra no Rio. Já são quase duas horas e o protagonista se descobre com fome. Procura o Restaurante dos Operários, inclusive na esperança de encontrar o Duque. Na falta do Duque, é até possível que recorra ao Dr. Otávio Conti. Procura saber onde é o escritório dele, mas não o encontra. Na volta, é abordado por Costa Miranda, mas só lhe pede emprestado o dinheiro para o almoço, ou talvez tente a sorte no jogo.”A mão, mergulhada dentro do bolso da calça, ainda segura o dinheiro. É um papel sovado e liso, como se lhe tivessem passado talco. Seus dedos estão ficando suados. Abre então a mãe e retira-a aberta e com precaução, para que não haja perigo dela arrasta-lo para fora e o dinheiro cair, perder-se.Vem descendo a rua.Se ele botasse no estômago qualquer coisa, mesmo um cafezinho, ainda agüentaria mais uma hora. E com esses cinco mil-réis tentaria… a sorte!Esse ‘plano’ veio-lhe de súbito, e perturba-o!(…) Seu estomago porém está oco. Uma dor lhe sobe por dentro do peito, até ao pescoço, à garganta. Sente uma debilidade na cabeça, espécie duma leve sonolência, como quando tem febre. Entretanto, está com a testa fresca. Sabe que, se comer, tudo isso desaparece. É de haver passado todo esse tempo sem se alimentar.Mas como perder essa oportunidade?…Ele vê os seus cinco mil-réis multiplicando-se e a sua entrada em casa, à noite, fatigado e feliz, a boca sorrindo pra a cara muito branca e muito triste da pobre da sua mulher… Pregueia-se-lhe a garganta. Sente uma constrição no rosto… meio sobre os olhos… não sabe explicar exatamente onde…”Joga na roleta, no número 28 e ganha cento e setenta e cinco mil-réis. Separa quinze e compra mais fichas, mas na tentativa de multiplicar o dinheiro, acaba novamente sem nada.”Um tumulto e um estado de confusão enchem a cabeça de Naziazeno. Tem apenas uma vaga idéia de que ganhou. O choque é tão brusco que não lhe fica tempo para se arrepender. É quando recebe o dinheiro que faz o cálculo: cinco mil-réis… cento e setenta e cinco!… Tudo resolvido assim num segundo… Fita a cara do croupier, olha pra os lados!… Estará mesmo neste mundo? neste dia?…” O dia está terminando quando reencontra Alcides. Logo depois encontra o Duque, que reacende suas esperanças. Procuram casas de agiotas, mas não obtêm sucesso ou pelo avançado da hora, ou pelos agenciadores que pararam de trabalhar com dinheiro a juros. O certo é que as esperanças de Naziazeno aumentam ou diminuem conforme o clima, mas tendem a ficar cada vez menores. Por fim surge uma luz. Alcides tinha um anel penhorado com o agiota Martinez. Duque pensou em renovar a penhora com algum outro agiota se conseguisse levanta-lo. O pequeno grupo de amigos se junta e procura Mondina, que aceita “emprestar” o dinheiro para reaverem o anel. Martinez, mesmo depois de encerrado o expediente, levanta a penhora. Mas por essa via Naziazeno também não conseguiu o dinheiro. Já é noite fechada, o comércio está inativo.Uma outra “luz” surge, quando Duque se lembra de procurar Dupasquier, um comerciante de ouro. Consegue obter trezentos e cinqüenta mil-réis, Duque pensava em penhora, o comerciante pensava em venda. Como Dupasquier não trabalhava com esse tipo de negócio, voltaram todos ao ponto de partida. De mãos vazias novamente, procuram um café para articular talvez o derradeiro plano. Outra parte da vida da cidade se inicia, a noite refrescou. Eram oito horas no relógio do café e o negócio caminha lentamente.”- A situação é esta – resume finalmente Duque. – Se o sr. quiser até – diz ele, virando-se para o ‘advogado’ – o sr. mesmo fica com o anel como penhor. – E Duque olha para Alcides. – Não se faz mais negócio. Amanhã mesmo volto ao Martinez. Desfaço tudo. Devolvo o seu dinheiro.- Desfazer, você não pode – observa-lhe o Duque. Alcides cala-se, emburrado.- Vamos pensar mais é em achar uma solução – faz Duque, conciliatoriamente.Os dois nada dizem. Alcides já fechou várias vezes os olhos, colocou-os outras tantas vezes na rua. Mondina tem o olhar brilhante, os lábios fortemente unidos, a face levemente congesta.Naziazeno sente um sono, um abatimento. Vê-se no bonde, de volta para casa. Bonde quase vazio, no meio da noite, com ele dormitando…- Venha cá. Eu assumo o compromisso. Me dê esse anel – pede o Duque para Alcides. – Eu entrego-o ao Dr. Mondina em garantia do seu dinheiro. Me inteire trezentos mil-réis: me dê mais cento e vinte. Amanhã ou procuro o Alcides e o sr. pra fazermos o penhor. Assim o sr. fica bem garantido.- Mas não se trata de garantia… – vai gaguejando o ‘dr.’ Mondina. – O seu amigo não compreendeu. Eu desde o princípio não estive pronto pra auxiliar essa transação…? Não se trata de garantia ou de falta de garantia…- Mas assim fica muito bem – acrescenta Duque. – É justo aliás que o sr. queira rodear de todas as garantias o negócio.Outro silêncio.Alcides não se mexe. Duque mantém o braço estendido, à espera do anel. É um sono agora o que tem Naziazeno. É só um sono…”Naziazeno chega em casa pouco depois das nove. Carregava alguns embrulhos, trouxe do conserto o sapato da mulher, comprou um brinquedo para o filho, manteiga e um pedaço de queijo. O homem foi invadido por um pouco de paz. Jantou, tomou um copo de vinho, conversou com a mulher, sentou-se, contemplou os dois leõezinhos que havia trazido para o filho. Contaram o dinheiro para o pagamento do leiteiro, colocaram o pagamento embaixo da panela de leite. Naziazeno está cansado, mas sente dificuldade para dormir. Os incidentes do dia são por demais pesados para ele poder se livrar deles com facilidade.”Aquele endolorimento parece que é mais forte nas pernas, no osso da canela. Aliás, sente como que um peso dos joelhos para baixo. Mas é que não é brinquedo o que caminhou. Devia ter feito umas quatro vezes aquele trajeto da repartição… É verdade: não conseguiu saber o que era quilo daquela luzinha! Amanhã…A ida ao Andrade arrasou-o.Não ficou bem explicada essa história.Não sentiu passar as três ou quatro horas da roleta. Ás vezes, tirava os olhos do jogo, e lá encontrava a cara daquele sujeito sentado, aquele pobre diabo, que ele conhece tanto… dos cafés… Não vira quando ele tinha ido embora… Que estaria fazendo ali? Teria ido com algum conhecido? Estaria esperando alguém?Nunca, nunca devia ter ido à casa do fornecedor, não devia ter dado aquele passo. Isso ainda vai incomodá-lo…Mas o melhor é não pensar em nenhuma dessas coisas… Tudo já passou, já passou!…”O silêncio é grande. Os dias são quentes, mas as noites esfriam muito, e Naziazeno pensa, pensa, remói o dia, e o sono não chega. Já está inquieto, com a cabeça ardendo e os olhos arranhados. Tanto tempo passa e ainda é uma hora. A noite parece um século e, no entanto, ele precisa dormir, precisa descansar, aproveitar o resto da noite. Acontece, em sua mente cansada, uma superposição de imagens e figuras, que ele tenta ordenar.”(…) O Assunção.. Fernandes… Martinez… Vê-se arrastado pelo Duque dum lado para outro… Caminham numa cadência… numa cadência… Parece que não pisam. Só enxerga o perfil do Duque, um perfil trigueiro, de focinho fino, um pouco caído… Tudo vai se confundindo.. À sua frente, ele só percebe uma atmosfera esbranquiçada, onde já aparecem coisas e formas vagas… que não pode fixar e distinguir…Quer ficar assim muito tempo… muito tempo… quando tem um sobressalto. Um estalo se faz ouvir para o lado da peça da frente. O filho chega também a assustar-se. Quer acordar, tem um chorinho. A mãe, meio dormindo, passa a mão por cima da guarda da caminha. Nana-o. Ele se aquieta. Ela depois dum instante também adormece novamente.Naziazeno não quis deixar ver que estava acordado.”Na confusão de imagens que surgem a partir da mente adormecida e da vigília, através da memória, Naziazeno recompõe o restante da cena do empréstimo, o bonde, a loja da Dolores, onde comprou os presentes, vai até a casa do sapateiro buscar os sapatos da mulher que haviam ido para o conserto… A obsessão é grande, as imagens não lhe saem da cabeça. Acumulam-se como cartas embaralhadas. E do subconsciente começam a aparecer uma legião de ratos que aumenta conforme passam as horas. Ratos que lhe devoram o dinheiro do leiteiro…”Um rufar – um pequeno rufar – por sobre a esfera do chiado, no forro… Ratos… são ratos! Naziazeno quer distinguir bem. Atenção. O pequeno rufar – um dedilhar leve – perde-se para um dos cantos do forro…Ele se põe a escutar agudamente. Um esforço para afastar aquele conjunto amorfo de ruidozinhos, aquele chiado… Lá está, num canto, no chão, o guinchinho, feito de várias notinhas geminadas, fininhas…São os ratos!… Vai escutar com atenção, a respiração meio parada. Hão de ser muitos: há várias fontes daquele guinchinho, e de quando em quando, no forro, em vários pontos, o rufar…A casa está cheia de ratos…Espera ouvir um barulho de ratos nas panelas, nos pratos, lá na cozinha.O chiado desapareceu. Agora, é um silêncio e os ratos…Há um roer ali perto… Que é que estarão comendo? É um roer que começa baixinho, vai aumentando, aumentando… Às vezes para, de súbito. Foi um estalo. Assustou o rato. Ele suspende-se… Mas lá vem outra vez o roer, que começa surdo, e vem aumentando, crescendo, absorvendo…Na cozinha, um barulho, um barulho de tampa, de tampa de alumínio que cai. O filho ali na caminha tem um prisco. Mas não acorda.São os ratos na cozinha.Os ratos vão roer – já roeram! – todo o dinheiro!…Ele vê os ratos em cima da mesa, tirando de cada lado do dinheiro – da presa! – roendo-o, arrastando-o para longe dali, para a toca, às migalhas!…Tem um desespero nervoso. Vai levantar! Mas depois do baque da tampa caindo, fez-se um silêncio, um grande silêncio… Espera um pouco. O silêncio continua. Nem mesmo o chiado se houve. Há só o silêncio.Ele está sentado na cama. A seu lado, a mulher dorme, muito pálida, a cara gorda e triste. É um sono sereno, como de morta. Pensa em acorda-la, mas suspende-se: é tudo silêncio outra vez, o guinchinho cessou, cessou aquele roer num dos cantos do assoalho… E, depois, sente um meio ridículo, uma vergonha.Deita-se. De novo vê o dinheiro ao lado da panela do leite, sobre o tampo muito branco da mesa, no meio dum silêncio quieto…”Naziazeno está com sono, cansado, mas é preciso continuar, é preciso ser o guardião do dinheiro, até, talvez, o leiteiro chegar. Vagarosamente, contando os minutos, vai vendo chegar a madrugada e com ela os galos cantando, os ruídos da rua e… o leiteiro chegando. “Está exausto… Tem uma vontade de se entregar, naquela luta que vem sustentando, sustentando… Quereria dormir… Aliás, esse frio amargo e triste que lhe vem das vísceras, que lhe sobe de dentro de si, produz-lhe sempre uma sensação de anulação, de aniquilamento… Quereria dormir…Não sabe que horas são. De fora, do pátio, chega-lhe um como que pipilar, muito fraco e espaçado.Quereria dormir…Mas que é isso?!… Um baque?Um baque brusco do portão. Uma volta sem cuidado da chave. A porta que se abre com força, arrastando. Mas um breve silêncio, como que uma suspensão… Depois, ele ouve que lhe despejam (o leiteiro tinha, tinha ameaçado cortar-lhe o leite…), que lhe despejam festivamente o leite. (O jorro é forte, cantante, vem de muito alto…) – Fecham furtivamente a porta… Escapam passos leves pelo pátio… Nem se ouve o portão bater…E ele dorme.”