Resumo do livro O Sertão vai virar mar (Moacyr Scliar)

A narrativa tem início em uma cidade do sertão baiano chamada “Sertãozinho de Baixo”. Ela ficaria, já que é fictícia, próxima à antiga vila de Canudos, local onde acontecera a Guerra de Canudos, há pouco mais de cem anos. Mas, os moradores de “Sertãozinho” não desejam relembrar tais eventos, pois traziam na memória as desgraças pelas quais passou a região e sua população. A cidade de Sertãozinho, embora ainda de tamanho modesto, já apresentava algumas comodidades que desenvolvimento econômico traz, lá havia algumas indústrias e um shopping, por exemplo. Elementos bastante diferentes do que a memória da Guerra e do que se imagina quando se ouve a palavra Sertão, que é dor, tristeza, fome e miséria. Como a intenção do livro “O Sertão vai virar mar” de Moacir Scliar é fazer uma leitura da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões” - que narra os fatos sobre a Guerra de Canudos - as histórias da Guerra e de “Sertãozinho”, na narrativa, são cronologicamente paralelas. Na verdade, os eventos narrados na imaginária cidade de “Sertãozinho” são um meio didático de se interpretar as razões, os acontecimentos e as conseqüências da Guerra de Canudos. Em razão disso, entre outros aspectos, a história tem início em uma típica escola privada da classe média. Nela as personagens centrais Gui, que é o narrador, Martinha, Queco, Gê, Cíntia e Zé, colegas da escola, receberam a tarefa de fazer um debate sobre “Os Sertões”. Esse debate fora motivado pela importância da obra, pelo fato de “Sertãozinho” estar próxima à antiga Canudos e, sobretudo, porque surgira na cidade um pregador chamado Jesuíno, que estava reunindo, principalmente a população pobre, a sua volta. É como se a história de Canudos de alguma forma retornasse. Esse retorno trazia enormes preocupações para todos de “Sertãozinho”, já que o fim de Canudos fora trágico. O debate sobre “Os Sertões” seria feito através de um “júri simulado”, que é uma técnica pedagógica que consiste em se escolher um tema que é debatido por alunos divididos em equipes. Os alunos apresentariam os pontos de vista sobre o tema. A intenção do “júri simulado” é fazer com que os alunos desenvolvam a sua capacidade de argumentação. No caso dos colegas de “Sertãozinho”, a escolha da obra para o debate é a opção de por em questão a Guerra de Canudos. Como fatos semelhantes, que antecederam a Guerra, estavam acontecendo em “Sertãozinho”, portanto, realizar o debate era entender o passado para compreender o que acontecia no presente. Desta forma, os alunos teriam que ler “Os Sertões” para poder preparar o debate. No momento, em que os colegas de escola estão reunidos para ler e discutir “Os Sertões”, Moacir Scliar os utiliza para desenvolver as leituras sobre a obra de Euclides da Cunha. Apresentar os fatos históricos, as opiniões da época, as trágicas conseqüências da Guerra, as observações de Euclides da Cunha, ou seja, autor cria um presente que serve de paralelo e janela para compreensão do passado. Em meio às agitações que ocorriam em “Sertãozinho”, promovidas pelo Jesuíno Pregador, no bairro pobre do Buraco, os colegas reúnem-se para produzir o seu trabalho escolar. Ora na casa de um, ora na casa de outro, os garotos esforçavam-se para ler e compreender tanto a difícil linguagem de Euclides da Cunha quanto as razões pelas quais aquele evento tivera um destino tão drástico. Nesses momentos, Moacir, inclusive, faz citações literais de “Os Sertões”. Em razão das dificuldades oferecidas pela leitura o grupo, a princípio, não avança muito. Contudo, a entrada no grupo de um aluno recém chegado à escola, de outra cidade, Zé, muda essa situação. É um garoto recluso, fechado, que, por isso, provoca a curiosidade dos colegas. Gui descobre através do professor que organizava o debate, Armando, que Zé é um garoto pobre que mora no Buraco. Estuda no colégio de classe média graças a uma bolsa, que conseguira em virtude de seu esforço e boas notas. Zé é um entusiasta da obra de Euclides da Cunha e se insere no grupo dando-lhe o dinamismo de que ele precisava.

A situação se agrava em “Sertãozinho”, pois Jesuíno, cada vez mais, atrai pessoas para o bairro do Buraco. O local cresce diariamente com pessoas vindas até de outros municípios. Os representantes do poder de “Sertãozinho” vêem com muita preocupação e desconfiança tudo aquilo. Toda aquela gente seguindo, quase que cegamente, um homem que consideram santo. Um conflito de nefastas conseqüências se armava, semelhante ao que havia acontecido no tempo de Antônio Conselheiro. Canudos era no seu auge, ao final do século XIX, a segunda maior cidade da Bahia, ficando atrás apenas da capital, Salvador. Para lá seguiram toda sorte de desesperançados acompanhando Antônio Conselheiro, homem que havia vagado pelos sertões do Nordeste construindo igrejas, reformando muros de cemitério, organizando novenas e, sobretudo, pregando. Após um saque a algumas lojas do comércio de “Sertãozinho”, os empresários locais exigem medidas das autoridades. O mais pressionado a tomar uma atitude é o Delegado, pai de Gui. Narrado como homem sério e sereno, tenta evitar a tomada de medidas muito duras, que não resolveriam o problema, mas o tornaria pior. Porém, percebe que é preciso adotar alguma medida, antes que a situação fuja ao controle. De forma diferente acontecera em Canudos. Os donos de terra da Bahia e de estados vizinhos exigiram do recém implementado Governo Republicano medidas para desmobilizar aquela população. A permanência daqueles sertanejos em Canudos esvaziara a mão-de-obra da região. Naquele tempo os latifundiários, em virtude de sua incapacidade de resolver a questão pediram providências ao Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro. As leituras de “Os Sertões”, com a ajuda Zé, iam bem até que ele desaparece depois de ver uma reportagem sobre uma grande passeata organizada pelo Jesuíno Pregador. Gui descobre que a consternação de Zé era mais profunda. Não se resumia ao fato de Zé ser do Buraco, centro das pregações de Jesuíno. Zé era filho de Jesuíno e este havia ido para “Sertãozinho” a procura do filho. A razão de Jesuíno tornar-se um beato foi após um colapso nervoso em conseqüência da perda de sua pequena propriedade, desapropriada para a construção de uma represa. O outro beato, Antônio Conselheiro, também, havia tido graves problemas pessoais, uma disputa com uma família rival a sua e um casamento infeliz, que terminou de forma vergonhosa para ele, com a fuga da esposa com um soldado de polícia. Gui e alguns amigos chegam a ir ao Buraco, na tentativa de encontrar Zé. A situação na cidade estava muito tensa. Esperava-se, a qualquer momento, o estouro de uma revolta. Enquanto isso, as opiniões se dividiam. Para alguns, que no texto é representado pelo colega de Gui, Gê, um rapaz engajado politicamente, toda aquela situação nada mais era do que o resultado da falta de assistência a uma população sem recursos. Oposto ao que pensa, o também colega de Gui, Queco, que tem uma visão preconceituosa, pois afirmava que são vagabundos e lunáticos, que acreditam em um demente. De certa maneira o mesmo acontecera a Canudos, momento histórico mal compreendido em sua época. De um lado estavam os latifundiários, temerosos pela falta de mão-de-obra, de outro o Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro, fortemente controlado pelo Exército. Entre outros motivos, as atitudes do Conselheiro de rasgar proclames de impostos republicanos e de condenar o casamento civil, fizeram com que a República interpretasse Canudos como sendo um foco Monarquista. A ação ponderada do Delegado evitou o pior, embora quase tenha perdido o controle da situação. Zé se reconciliou com o pai que foi enviado para tratamento. O debate foi um tremendo sucesso, chegando à conclusão de que a tragédia de Canudos poderia ter sido evitada ou, pelo menos, ter tido menores proporções, se houvesse discussões sobre o problema. Mas o medo da população quanto ao que acontecia na região e, principalmente, o temor dos poderosos - sobretudo o Exército da República - fez com que Canudos tivesse um fim extremamente violento. Moacir Scliar, desta forma, conclui seu texto, com uma espécie de lição. Os excessos devem ser evitados para se prevenir mal-entendidos e até mesmo tragédias.