Resumo do livro O Fantástico na Ilha de Santa Catarina (Franklin Cascaes)

Há quase trinta anos o autor vem estudando todas as manifestações culturais que se operam na Ilha de Santa Catarina. Da pesca da tainha à cerâmica, dos cantos aos engenhos de farinha e açúcar, aprofundou, sobretudo, o estudo que trata das lendas, através de um desenho fantástico, cujo sentido mítico dimensiona uma criatividade genuína e profunda. Franklin Cascaes acrescenta elementos atuais à lendas da Ilha de Santa Catarina em um texto que flui a linguagem descontraída na lendária visão de elementos ilhéus e gregos, misturando realidade tecnológica com sonhos do pescador. Este acervo de escritos não se limita às histórias. Há inúmeras outras informações relativas à saúde, aos hábitos alimentares, às atividades de subsistência, às brincadeiras, à religião, às crendices etc.

Conteúdo

- Eleição bruxólica;
- Congresso bruxólico;
- Balanço bruxólico;
- Mulheres bruxas atacam cavalos;
- Baile de bruxas dentro de uma tarrafa de pescaria;
- Estado fadórico das mulheres bruxas;
- Vassoura bruxólica;
- Orquestra selenita bruxólica;
- As bruxas roubam a lancha baleeira de um pescador da ilha;
- Lamparina e catuto em metamorfose;
- Bruxas atacam um pescador;
- A bruxa roubou meio alqueire feito armadilha para apanhá-la.

Trecho escolhido: Vassoura Bruxólica
No decorrer de sua vida, Franklin Cascaes (1908-1985) expressou em forma de arte os estudos que realizou sobre a cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina, seus aspetos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições como se fora um ritual abstrato que atingisse a estrutura vital do mito.E fê-lo soberbamente, já que da pesca da tainha a cerâmica, dos cantos aos engenhos de farinha e açúcar, aprofundou, sobretudo o estudo que trata das lendas através de um desenho fantástico, cujo sentido mítico dimensiona uma criatividade genuína e profunda. Para Cascaes mito é a possibilidade de primordial, a realidade inteligível que estabelece de modo único, numa pré-figuração do mistério que antecede a revelação.

A força criativa de Cascaes encontra-se, ainda, na capacidade de sua imaginação, a ponto de acrescentar elementos atuais às lendas da Ilha de Santa Catarina. “E’,neste mundo de Deus, há muitos mistérios e esta gente simples aqui da Ilha vive estas coisas quase como uma realidade. Meus lobisomens, bruxas, demônios e boitatás existem”.

Sempre foi crença do povo hospitaleiro desta Ilha dos famosos bois mamão que, na Sexta-Feira-Santa, não se deve tomar instrumentos de trabalho para usá-los, seja qual finalidade for. É também costume tradicional deste povo, descendentes·de colono açoriano, que, na Sexta-Feira Santa, a partir de zero hora, devem·banhar-se nas ondas do mar, levando consigo animais domésticos, para purificarem-se e protegerem-se de todos os males do corpo físico e espiritual. As águas colhidas nesta hora servem para todo o tipo de cura. É a fé, longínqua dos tempos, aliada a superstição, ao medo e ao amor pela conservação do corpo físico, na cura dos males que atacam o homem em franca vivencia espiritual e física com o seu Deus.

As forcas atuantes de praticas religiosas freiam os instintos animalescos do homem, encaminhando-o, espiritualmente, para viver com bons modos junto com o seu Deus, com a cultura, na sociedade e conseqüentemente com o seu próximo. Entrementes, sempre aparecem nos meandros desses cenários fantásticos, e outros moderados, pessoas que se arrojam contra os poderes divinos, maltratando esses conjuntos de sociedades freadoras, veículos insubstituíveis de abrandamento de sofrimentos que martirizam e acoitam a criatura humana.

Um caso de desrespeito espiritual aconteceu ha muitos anos passados, lá pras bandas do sul da Ilha de Santa Catarina. A Maria Vivina, moradora da praia dos Naufragados, fez uma aposta com a Carrica, de que, na Sexta-Feira-Santa daquele ano, ela tomaria uma vassoura e com a mesma, varreria o quintal de sua casa e, certeza tinha, nada lhe aconteceria de extraordinário. Apostaram um par de tamancos contra uma botina. E firmaram a promessa da aposta, casando-a. Quando a Vivina deu a primeira varredura, a vassoura soltou-se de suas mãos que nem um relâmpago , metamorfoseou-se em bruxa, ganhou altura sobre o morro do Ribeirão da Ilha e desapareceu, num repente, no espaço sideral das alturas incomensuráveis da quimera. A Maria Vivina caiu de joelhos no terreiro, rezou e pediu perdão aos céus pelo ato impensado que havia cometido contra as ordens divinas, chorando copiosamente. A Carrica abraçou-se com ela e ambas choraram e sentiu o amargo do néctar da desobediência humana.

Nenhuma das duas era bruxa, porque a vassoura, que e um instrumento de montaria de bruxas, foi embora, viajar pelo espaço sideral, sozinha. Oh! Minha querida Ilha de Santa Catarina de Alexandria, es a graciosa sereia que repousa sobre brancas areias de comoros errantes, sambaquis seculares, banhada pelas ondas acasteladas do oceano, perfumada pela brisa acariciante dos ventos e enxuta com as toalhas felpudas dos raios solares que beijam calorosamente seu corpo mitológico.