Resumo do livro Vidas Secas (Graciliano Ramos)

É largamente conhecida a história da carta que Graciliano escreveu, em 1944, a João Condé, para uma coluna que o mesmo mantinha na revista O Cruzeiro, explicando a construção do livro Vidas Secas, da qual retiramos um trecho:

“… no começo de 1937 utilizei num conto a lembrança de um cachorro sacrificado na Maniçoba, interior de Pernambuco, há muitos anos. Transformei o velho Pedro Ferro, meu avô, no vaqueiro Fabiano; minha avó tomou a figura de Sinhá Vitória, meus tios pequenos, machos e fêmeas, reduziram-se a dois meninos…”

Lembranças.
Em Vidas Secas, Graciliano Ramos trata o mundo do sertão como impossibilidade. Por isso,e na obra podemos observar os temas:
a marginalização do sertanejo
a submissão
a incomunicabilidade com os opressores
a impotência do homem diante dos desígnios da natureza
a solidão dos seres
a miséria física e intelectual
a revolta interior do injustiçado
a zoomorfização
a incapacidade da compreensão do mundo
a consciência do existir

Graciliano Ramos valoriza o psiquismo das suas personagens, capta-lhes, sobretudo na figura de Fabiano, as dores e desejos, seus amores e ódios, suas torpezas e vícios humanos, dando-lhes contornos íntimos profundos e firmemente delineados. É, entre todos os da sua geração, o mais perfeito e genial e Vidas Secas não é apenas um pequeno romance desmontável, ou uma novela; Vidas Secas é antes um repositório de almas, um universo de criaturas miseráveis e corajosas, ímpares na sua constituição.
Cada coisa, ser ou fato é expressivo, complexo, e, quando desnudado, traz à tona todo o sofrimento e dor típicos de todos os seres humanos.

Resumo do texto:
A presente narrativa inicia-se com um capítulo chamado “Mudança”:

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.

Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça; Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra baleia iam atrás.”

Eis aí os componentes da nossa história: uma família de sertanejos nordestinos que migram à procura de um lugar para ficar, em plena seca.

Aparecem, de repente, os juazeiros, uma fazenda abandonada. E, assim que lá chegam, começa a chover. Fabiano instala-se com a família na casa, mas aparece o patrão, que quer expulsá-lo. Fabiano apresenta-se como vaqueiro, o patrão entrega-lhe os ferros de marcar gado ( símbolo também, esta passagem, de marcar-se a si mesmo como gado, de deixar marcar-se como um desses animais…)

Toda a história desenrola-se entre duas secas, a que os tange até ali e a que os levará em direção ao sul.
Seres animalizados, perdidos dentro de si mesmos, estão agora arranchados na fazenda, que prospera. Enquanto Sinhá Vitória faz contas ( era uma esperta mulher), Fabiano aceita as do patrão e é sempre furtado por ele. Fala pouco, quase nem fala, mais murmura e gestua do que fala.

Na cidade, um dia, quando vai à feira, é preso pelo soldado amarelo que, a fim de furtá-lo, joga com Fabiano o 31. Sinhá e Fabiano criam os meninos e neles já desponta a vontade de ser como o pai: vaqueiros. Há no romance uma personagem não acional: Seu Tomás da bolandeira, ex-patrão de Fabiano, homem bom e educado, que pedia “por favor”e agradecia. Sinhá Vitória sonha uma cama como a de seu Tomás; tal cama, na verdade, tão diferente da cama de vara onde dormiam, é o símbolo do homem não-nômade, o símbolo do que os brancos, com dinheiro, podiam comprar.

Todo o romance dedica-se a visitar Fabiano pelo lado de dentro, seus pensamentos, frustrações e medos nos são revelados. Para isso, o narrador também se vale das descrições:

“Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. Os pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio.”

“Fabiano estava silencioso, olhando as imagens e as velas acesas, constrangido na roupa nova, o pescoço esticado, pisando em brasas. A multidão apertava-o mais que a roupa, embaraçava-o.”(115)

Pequenas alegrias cercam a família. Até que sobrevém nova seca. Esta, os alcança aos poucos, até que, rendidos, voltem a pensar em ir embora. Fabiano sabe que Sinhá Vitória tem razão: os meninos precisam aprender a ler, deve a família ir para o Sul, em busca de novas possibilidades.

É o capítulo “Fuga”que fecha a narrativa. Não sabemos para aonde vão, sabemos que irão embora, buscando o lugar no mundo áspero como a paisagem sem chuva.