Resumo do livro O Primo Basílio (Eça de Queirós)

INTRODUÇÃO:
A Revolução Industrial iniciada no século anterior, na Inglaterra, provocou uma industrialização acelerada em vários países. As cidades cresciam rapidamente, camponeses transformavam-se em operários urbanos e a vida cultural diversificava-se. Londres, Berlim, Viena e principalmente Paris eram o centro de um vigoroso processo criativo. Enquanto isso, Portugal mantinha-se apegado às glórias do passado. O pais não chegou a desenvolver uma burguesia empreendedora e capitalista, nem uma elite intelectual significativa que fizesse desenvolver as artes e as ciências. A elite de Lisboa vivia apegada às glórias coloniais passadas. De costas para o futuro, vivia centrada em sua vidinha sem perspectivas. A escola realista propõe uma criação literária apoiada na análise objetiva da realidade. O narrador vê os acontecimentos com neutralidade e domina as informações sobre o contexto o qual o enredo acontece. O Naturalismo traz uma preocupação a mais: tenta introduzir o método científico na obra literária e, com isso, intensifica e amplia as tendências básicas do Realismo.

POSICIONAMENTO DO AUTOR EM RELAÇÃO AO TEMA:
Eça de Queirós faz parte de uma geração de jovens intelectuais, centrada em Coimbra, que reagem contra o atraso do país. Eles criticam o Romantismo como um sinônimo desse atraso. E com seus Realismo e Naturalismo pretende incorporar à Literatura os métodos científicos próprios das ciências naturais. O autor disseca essas deformações da sociedade lusitana e explica sua fonte de pesquisa e inspiração neste trecho de uma carta enviada a Teófelo Braga “Mas a verdade é que eu procurei que os meus personagens pensassem, decidissem, falassem e atuassem como puros lisboetas, educados entre o Cais do Sodré e o Alto da Estrela; não lhes daria nem a mesma mentalidade, nem a mesma ação se eles fossem do Porto ou de Viseu; as individualidades morais variam de província a província”. Eça também observa que não ataca a família enquanto instituição, mas sim “a família lisboeta, produto do namoro, reunião desagradável de egoísmo que se contradizem, e, mais tarde ou mais cedo, centro de “bambochata”. O Primo Basílio apresentava-se como uma lente de aumento sobre a intimidade das famílias “de bem” de Lisboa da metade do século XIX. Representa um dos primeiros momentos de reflexão sobre o atraso da sociedade portuguesa em um mundo profundamente transformado pela Revolução Industrial e pelo desenvolvimento tecnológico.

PERSONAGENS LUÍSA:
Na descrição que o próprio Eça de Queirós faz na carta a Teófilo Braga, Luísa é “a burguezinha da Baixa” (Lisboa, Cidade Baixa): urna senhora sentimental, sem valores espirituais ou senso de justiça. É lírica e romântica, ociosa e nervosa pela falta de exercício e disciplina moral”. Luísa é esposa de Jorge, engenheiro de minas que ela conheceu após o abandono e rompimento (por carta) do noivado com o primo Basílio. Sua vida tranqüila de leitora de folhetins é alterada pela viagem do marido e o retorno do primo a Portugal. O motivo que a leva a se entregar a Basílio, de acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia. Uma mescla da falta do que fazer com a “curiosidade mórbida em ter um amante, mil vaidadezinhas inflamadas, um certo desejo físico…”

BASÍLIO :
O primo e ex-noivo que retorna a Portugal na ausência do marido de Luísa é para Eça de Queirós “um maroto, sem paixão nem a justificação de sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha de uma aventura e o amor grátis”. Malicioso e cheio de truques para atrair a amante explorando a sua vaidade fútil, Basílio compara a fidelidade conjugal a uma demonstração de atraso das mulheres de Lisboa frente aos hábitos supostamente liberais e modernos das senhoras de Paris - todas com seus amantes, conforme assegurava o primo. Desprovido de charme ou atributos mais sedutores, é o mais cínico dos personagens “conquistadores” de Eça de Queirós. Em momentos de maior dramaticidade, quando começam a enfrentar as conseqüências do adultério, o cinismo de Basílio fica mais evidente: ele pensa apenas que teria sido mais vantajoso trazer consigo uma amante de Paris.

JULIANA :
A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. É a figura que aparece com alguma intensidade interior, destoando um pouco das razões fúteis que movimentam os demais personagens. Ela se conduz pela revolta (não suporta sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso contra a patroa (ódio, na verdade, contra todas as patroas que a escravizaram por 20 anos). Assim como Basílio, Juliana tentará tirar proveito circunstâncias, reunindo provas do adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende mais do que dinheiro - que exige sem sucesso de Luísa; ela quer a desforra. E os recursos que utiliza levarão o definhamento físico e emocional da patroa, até o desfecho da história.

JORGE:
Todo o drama iniciado com o roubo das cartas se deve à tentativa de Luísa de impedir que Jorge saiba do adultério. Com aparições, no romance, sua presença se faz sentir pelo papel social que representa: é o marido. E a forma como poderá reagir à infidelidade, é especulada pelo narrador através, de outro personagem, Emestinho Ledesma, autor medíocre que prepara uma peça teatral sobre um caso de adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o final de sua obra. Um marido deve matar a mulher adúltera? PERSONAGENS SECUNDÁRIOS Os personagens secundários completam o quadro social lisboeta. O Conselheiro Acácio, freqüentador do círculo próximo de Luísa, um dos mais citado e conhecido personagem de Eça, é o intelectual vazio. Sua habilidade em dizer o óbvio com empáfia deu origem à expressão “verdades acacianas”. Joana é a cozinheira que enfrenta Juliana por dedicação à Patroa; Dona Felicidade é a “beatice parva de temperamento irritado”. E também há, Sebastião (o bom rapaz), que se propõe a recuperar as cartas tomadas pela criada.

ESTILO E LINGUAGEM:
Notamos que a obra de Eça adapta o texto literário ao ritmo da língua falada. Assim, rejuvenesce a linguagem literária. O autor afasta-se do uso de frases extensas e sobrecarregadas. Esbanja habilidade para expressar-se em seqüências de frases curtas, cheias de ritmos e significados. Usa e abusa da descrição minuciosa, quase obsessiva, do espaço físico e da sociedade, explicando cada personagem a partir de seu contexto socioeconômico.

CARACTERÍSTICAS REALISTAS PRESENTES NA OBRA:
Segundo palavras do próprio autor, o Romantismo “… em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. (… ) Toda a diferença entre o Idealismo e o Naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica”. Percebemos que em O Primo Basílio, o homem é observado como um animal que tem o comportamento determinado pelo meio ambiente, pelas circunstâncias que o pressionam e hereditariedade, caracterizando o Determinismo. Os elementos “científicos” tornam-se mais importantes do que a interioridade ou subjetividade dos personagens. A origem social, educação e influências externas ganham ênfase determinantes. Novos recursos são incorporados à linguagem, como termos e explicações científicos para expressar a fragilidade da condição humana, com suas doenças e seus vícios. A combinação da leveza e do brilho das descrições com o relato grosseiro da realidade é outra marca estilística de Eça. Ele opõe a expectativa romântica de Luísa e a ironização de suas idealizações ao descrever as atitudes grosseiras do amante Basílio. Bem ao gosto do Naturalismo, compara seres humanos com animais dominados por seus instintos, definindo a criada juliana como uma loba. O plano exterior de O Primo Basílio predomina sobre o plano interior. O exagero descritivo dos ambientes reforça e complementa a fragilidade psicológica dos personagens, que nada têm de admirável. Emoções, sensações e desejos surgem no texto como ações externas ao personagem.

CONCLUSÃO:
Diante do cenário histórico, descrito no início dessa análise, Eça de Queirós publica, em 1878, O Primo Basílio. O livro inova a criação literária da época, oferecendo uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queirós ataca uma das instituições consideradas das mais sólidas: o casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a partir de sentimentos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações vulgares e medíocres - tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca, desperta o interesse da sociedade de Lisboa. Eça de Queirós explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes. Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo. O autor, que já mostrara sua opção por uma literatura ácida e nada sentimental em O Crime do Padre Amaro, cria personagens fisicamente decadentes - cheios de doenças e catarros - e de comportamento sexual promíscuo.

RESUMO:
Luísa é uma jovem loira, de grandes olhos castanhos, romântica, sonhadora e frágil; é casada com Jorge, engenheiro de minas, homem de bons hábitos e com algumas posses. Casaram-se meio no escuro; no entanto Luísa dera uma boa esposa, “tinha cuidados muito simpáticos nos seus arranjos; era asseada, alegre como um passarinho”. A primeira cena se dá num domingo de muito calor. Estão marido e mulher na sala de jantar: ele anuncia sua próxima viagem a fim de cuidar de negócios no Alentejo; ela, displicentemente, folheia as páginas de um jornal, onde lê a notícia da chegada de seu primo Basílio a Lisboa. Basílio fora namorado da jovem e lhe prometera casamento. Mas, com a falência do pai, o rapaz viajara para o Brasil, onde acabara arranjando fortuna com a especulação da borracha. Fixara residência em Paris. Luísa recebe uma carta de Basílio rompendo o namoro e, depois de um ano de silêncio, casara-se com Jorge. Jorge parte. Alguns se passam e Luísa está enfadada; o calor é imenso e suas leituras não a consolam. Está se vestindo para ir à casa de uma amiga, a mal falada Leopoldina, quando recebe a visita do primo. Basílio não se arrepende de tê-la visitado, vendo aí uma oportunidade para um caso amoroso. Luísa por sua vez, fica embevecida com o primo, admira-lhe a nova vida, encanta-se com suas aventuras e viagens. Tudo o que ele fala serve para excitar a imaginação da moça; ouvindo-o, ela vive como em um romance. Basílio começa a visitá-la freqüentemente, dando muito o que falar à vizinhança e instigando a curiosidade e a maledicência de Juliana, a criada de dentro de casa. Por sua formação, Juliana fica à espreita, esperando uma oportunidade para despejar seu ódio não só contra a patroa, mas contra a vida que a maltratara. Dela exala revoltada amargura de viver: “servia, havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifros, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltada a saúde! (…)” Basílio não perde as esperanças de Ter a prima em seus braços; percebendo que a moça era passível de sedução, utiliza-se do pretexto de sua partida para a França, e, uma ocasião, ao despedir-se altas horas da noite, a jovem se entrega a ele. Juliana, desconfiada, só necessitava comprovar suas suspeitas. Certo dia Luísa recebe a visita de D. Felicidade, justamente quando estava a escrever uma carta extremamente comprometedora. Perturbada com o fato inesperado, joga a carta no lixo. a criada recolhe o papel amassado e o guarda. Quando Luísa vai procurar a carta, ela alega que já havia despejado o lixo. Depois do episódio, Luísa fica apreensiva e só se reanima quando recebe uma carta de Basílio, marcando um encontro no “Paraíso”, lugar afastado onde poderiam estar sossegado. O “Paraíso” constitui-se em uma grande decepção para Luísa, pois ela o imagina idilicamente e só encontra um aposento sórdido. Juliana põe-se mais servil, enquanto os comentários dos vizinhos prosseguem. Sebastião, bom amigo de Jorge, após ter viajado por duas semanas, ouve aturdido os falatórios. O primo não voltara à casa de Luísa, e ela saía todos os dias, ficando fora tardes inteiras. Sebastião, preocupado com a reputação da casa, tenta conversar com a esposa do amigo. Enquanto isso, Juliana, começa a perseguir mais provas do adultério, por isso rouba de Luísa a chave do cofre de correspondência. Luísa vai-se envolvendo em mentiras. Certa vez, a caminho do “Paraíso”, encontra Ernestinho, íntimo da casa, autor teatral que estava escrevendo uma peça justamente sobre uma mulher adúltera. Luísa escapa desajeitada e começa a refletir sobre seus atos. A indiferença de Basílio é nítida. Ele a ama menos… “Já não tinha aqueles arrebatamentos do desejo em que a volvia toda numa carícia palpitante, nem aquela abundância de sensação que o fazia cair de joelhos com as mãos trêmulas como as de um velho! … Já não se arremessava para ela, mal ela aparecia à porta, (…). E parecia, Deus me perdoes, parecia que lhe fazia uma honra, uma grande honra em a possuir… E pensava em Jorge, para quem ela era decerto a mais linha, a mais elegante, a mais inteligente, a mais cativante!… E já pensava um pouco que sacrificara a sua tranqüilidade tão feliz a um amor bem incerto(…)!” Águas passadas. As brigas do casal adúltero, as insatisfações da moça não passavam de meras rusgas e reflexões. Luísa voltava dócil e fogosa aos braços do amante. Os encontros no “Paraíso” continuavam. Outro incidente, desta vez com o Conselheiro Acácio, que a encontra e a acompanha, fazendo-a perder o encontro com Basílio. Ao voltar para casa, meio histérica, vê que Juliana não arrumara o quarto e passa-lhe uma descompostura. A criada então confessa que nem todos os papéis foram para o lixo, que ela tinha a carta supostamente perdida. Luísa desmaia. Ao retornar a si, acredita estar perdida. Pensa em fugir com Basílio para Paris, como ele já havia proposto tantas vezes; vê-se nos braços do amante, com uma nova via, repleta de sensações. Mas Basílio recusa-se a partir com ela; foge sozinho, simulando um telegrama urgente que pedia sua presença em Paris, a fim de resolver negócios. Sozinha, desamparada e à mercê das chantagens da criada, Luísa passa a viver uma vida miserável. Inverte-se a situação na casa: Juliana começa a ter as regalias da patroa. Jorge retorna e estranha o relacionamento da esposa com a empregada que tanto a desgostara outrora, ela tenta explicar essa mudança dizendo que a criada cuidou dela, com muita dedicação, em um momento que se encontrava doente. Luísa tenta conseguir os seiscentos mil réis que lhe pede Juliana, a fim de terminar com a chantagem. Não tem como consegui-los, a não ser tornando-se amante do banqueiro Castro, que há muito a adorava; Leopoldina arranja-lhe um encontro com o ricaço, mas Luísa não consegue entregar-se a ele. A situação fica insustentável, à medida que Jorge vai percebendo os disparates da criada. Desesperada, recorre a Sebastião, contando-lhe a situação em que se vê envolvida. Sebastião, sensibilizado com tudo por que Luísa tem passado, recupera as cartas. “Juliana então alucinada de raiva, com os olhos saídos das órbitas, veio para ele e cuspiu-lhe na cara! Mas de repente a boca abriu-se-lhe desmedidamente, arqueou-se para trás, levou com ânsia as mãos ambas ao coração e caiu para o lado, com um som mole, como um fardo de roupa.” Luísa adoece de uma febre nervosa, como conseqüência do medo de ter uma morta em casa. Juliana é enterrada numa vala comum. Tomam nova criada. Luísa começa a restabelecer-se, quando chega uma carta escrita por Basílio. Jorge, curioso, lê o texto revelador e em um lance descobre a traição da mulher. “(…) Vejo pela tua carta que não acreditaste nunca que minha partida fosse motivada por negócios. És bem injusta. A minha partida não te devia ter tirado, como tu dizes, todas as ilusões sobre o amor, porque foi realmente quando saí de Lisboa que percebi quanto te amava, e não há dia, acredita, em que me não lembre do Paraíso (…)”. Jorge, então, mostra a carta à esposa convalescente. Num gesto trágico, Luísa cai desmaiada; as febres voltam e logo sobrevém a morte. No final do romance, Eça registra a idiotizada figura do Conselheiro Acácio, envolto no dever de escrever um necrológico para Luísa, e a futilidade do amante ao saber da morte da prima.